27/09/2025 17:54

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Capacitismo, emprego e acessibilidade: os obstáculos que a lei ainda não derrubou

A luta pelos direitos das pessoas com deficiência é um chamado constante à sociedade para que cumpra as leis, promova empatia e transforme a inclusão em prática cotidiana. Mais do que um marco simbólico, trata-se de um movimento que exige o fim das barreiras físicas, comunicacionais e atitudinais que ainda limitam a plena participação dessas pessoas na vida social e profissional.

O objetivo é múltiplo: conscientizar sobre preconceitos como o capacitismo, incentivar políticas públicas efetivas, debater melhorias na qualidade de vida e reforçar a necessidade de acessibilidade, emprego e respeito às diferenças.

Empregabilidade e desafios

A inserção no mercado de trabalho segue como um dos principais obstáculos. Apesar da Lei de Cotas, que reserva de 2% a 5% das vagas em empresas de médio e grande porte a pessoas com deficiência, o preconceito e a falta de preparo das instituições ainda criam barreiras.

“Não basta contratar. É preciso que o ambiente de trabalho esteja pronto para acolher as diferenças. A acessibilidade comunicacional, o respeito às limitações e o combate ao capacitismo são fundamentais para que a inclusão seja de fato efetiva”, reforça Angela Maria Frata, professora e coordenadora dos cursos de Administração, Ciências Contábeis e Gestão de Recursos Humanos da Estácio em Campo Grande.

Aos 35 anos, Angela perdeu a audição de um dos ouvidos após uma cirurgia e passou a vivenciar os desafios da deficiência auditiva unilateral. Sua trajetória mostra como as barreiras ultrapassam as limitações físicas e alcançam o campo social e institucional.

Na docência, ela precisou criar estratégias para se comunicar com os alunos: “Ouvir com um só ouvido em meio ao barulho da sala é muito desafiador. Pedi para que levantassem a mão ao falar, para identificar de onde vinha o som. Sempre deixo claro no primeiro dia minhas limitações, para evitar mal-entendidos.”

Apesar da empatia dos estudantes, as dificuldades se intensificam em reuniões e eventos, quando o excesso de ruído gera o que ela chama de “ressaca auditiva”: “Fico confusa, cansada e acabo perdendo oportunidades de networking. Profissionalmente, esse é o maior prejuízo.”

Angela também relata que muitas vezes as instituições ignoram as especificidades de deficiências invisíveis ou consideradas “não restritivas o suficiente”. Esse descompasso, segundo ela, pode gerar frustração e até configurar assédio moral. “É como usar um sapato apertado o dia todo. O mercado exige que o PCD seja tão bom quanto, ou melhor, do que uma pessoa sem deficiência, sem reconhecer suas limitações.”

Do cotidiano ao ativismo

Para lidar com as dificuldades, Angela adotou ferramentas práticas, como o cordão de girassol — usado para identificar deficiências invisíveis — e o aparelho auditivo Cross, que transmite o som do ouvido surdo para o ouvido bom. Ainda assim, a tecnologia encontra limites, especialmente em ambientes ruidosos.

Dessa experiência nasceu o ativismo: ela passou a atuar no movimento pelos direitos dos surdos unilaterais e ajudou a articular a aprovação da lei que reconhece oficialmente essa condição como deficiência. “Um dia minha psicóloga me perguntou: ‘O que você está fazendo para que essa lei saia?’. A partir daí, voltei a me envolver com o movimento. Criamos a página Surdos de Um Ouvido e conseguimos unir pessoas de todo o Brasil. Em 2023, conquistamos a lei que nos reconhece como PCD.”

No Instagram, o perfil tornou-se espaço de acolhimento e informação para milhares de pessoas. Reúne histórias, mobiliza por direitos e inspira médicos, fonoaudiólogos e famílias a compreenderem melhor a deficiência auditiva parcial. A página pode ser acessada em: @surdosde1ouvido.

Compromisso coletivo

Para Angela, a mensagem central é simples e contundente: “Respeite as normas para que a inclusão aconteça.” Ela destaca que a falta de cumprimento das leis está entre os maiores obstáculos enfrentados por pessoas com deficiência, seja em vagas de estacionamento, no ambiente acadêmico ou no mercado de trabalho.

Campanhas de conscientização, segundo ela, são urgentes para transformar tanto os que excluem por desconhecimento quanto os que discriminam por preconceito: “A educação e a capacitação podem mudar a postura do primeiro grupo. Já no caso dos capacitistas, muitas vezes o respeito vem pela pressão social. Ainda assim, é um caminho.”

A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em vigor desde 2008, lembra que a deficiência faz parte da condição humana e que qualquer pessoa, em algum momento da vida, pode vivenciar essa realidade, seja de forma temporária ou permanente.

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