10/09/2025 19:15

10/09/2025 19:15

De Rio Negro para o mundo: a bolsa que conquistou uma princesa e virou símbolo de empoderamento e luxo

Marca sul-mato-grossense Zanir Furtado, única do setor no estado, elevou o valor do couro pantaneiro, ressignificou o trabalho artesanal e vem transformando a vida da comunidade.

Anderson Viegas

Inspirada na história da bolsa sul-mato-grossense presenteada à princesa Kako, do Japão, a capa fictícia de um mangá (tradicional história em quadrinhos japonesa) imagina a princesa como heroína, tendo como cenário a escola Visconde de Cairu, em Campo Grande, um dos locais onde ela exibiu o mimo. No detalhe, seu nome aparece escrito em kanji.

Paris, Milão, Nova York… e Rio Negro. Pode parecer improvável, mas essa pequena cidade de Mato Grosso do Sul, com 4.933 habitantes (estimativa de 2025, do IBGE), entrou no mapa mundial da moda de luxo. O motivo é uma indústria semiartesanal de bolsas que transformou propósito em estilo e sofisticação e fez da sustentabilidade o passaporte para conquistar vitrines internacionais e, de quebra, transformar uma comunidade.

Com produção exclusiva, inspirada na riqueza cultural e natural do Pantanal e do Cerrado, a Zanir Furtado alcançou um feito histórico em junho deste ano. Uma de suas peças foi escolhida pelo governador Eduardo Riedel e pela primeira-dama Mônica Riedel para ser entregue como presente à princesa Kako do Japão durante visita ao estado.

O episódio se transformou em um divisor de águas para a marca. A princesa gostou tanto da peça que quebrou o protocolo e passou a usá-la em suas agendas oficiais em Campo Grande. A bolsa, batizada de Diva, viralizou nas redes sociais, ganhou espaço na imprensa regional e internacional e se tornou objeto de desejo.

Princesa Kako usando a bolsa Zanir Furtado em agenda na escola Visconde de Cairu, em Campo Grande, no dia 10 de junho de 2025 (Foto: Kentaro Tominaga / Divulgação)

“Foi uma honra. A princesa usou a peça no mesmo dia, quebrando protocolo. A repercussão foi enorme, nosso estoque esgotou e criamos lista de espera. A peça virou sinônimo de empoderamento feminino. Quando desenhei a Diva, queria que cada mulher se sentisse poderosa. Hoje é conhecida como bolsa de princesa”, conta emocionada a fundadora da marca, a empresária Zanir Furtado.

A força da grife impressiona ainda mais quando se observa o cenário produtivo do setor no estado. De acordo com a Fiems, dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2024 apontam que a Zanir Furtado, além de ser pioneira no segmento em Mato Grosso do Sul, é a única indústria do estado voltada exclusivamente para a produção de bolsas de couro.

Segundo a entidade, quando se consideram também os empreendimentos dedicados à fabricação de acessórios de vestuário e bolsas, o número se amplia um pouco, chegando a quatro. Aí, além da fábrica de Rio Negro, são contabilizadas duas unidades instaladas em Rio Verde de Mato Grosso e uma em Campo Grande. Juntas, essas empresas empregam 43 colaboradores, número pequeno diante da dimensão do mercado, mas que reforça a ousadia da grife rio-negrense em abrir caminho para um setor até então inexistente no estado.

“Casa” da grife

O sucesso da “bolsa da princesa” também lançou luz sobre sua origem. Localizada no norte de Mato Grosso do Sul, a 151 quilômetros da capital, Campo Grande, Rio Negro é um município que se estende pelo Cerrado (98% do território) e pelo Pantanal (2%, segundo a prefeitura).

Com uma economia tradicionalmente alicerçada na agropecuária, responsável por 38,51% do PIB (IBGE, 2021) e por 35,9% dos empregos formais (Data MPE Brasil – Sebrae/MS), a cidade abriga um rebanho de 137,2 mil bovinos, além de produção de suínos, agroindústrias de tabaco e madeira, comércio, serviços e atividades turísticas ligadas à natureza, à aventura, à arqueologia e ao turismo rural.

Atualmente, Rio Negro conta com 492 empresas ativas (Painel Empresas & Negócios do governo federal, 2025) e 718 trabalhadores com carteira assinada (RAIS, 2024), que recebem em média R$ 2.275 (RAIS, 2022). Apesar disso, a cidade sofre com declínio populacional: em 30 anos, passou de 5.604 habitantes em 1991 para 4.921 em 2025, uma redução de 12,19%, segundo o IBGE. O PIB per capita é de R$ 28,2 mil (2021), abaixo da média estadual (R$ 50,1 mil) e da região de Campo Grande (R$ 50,5 mil). O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), de 0,709 (PNUD, 2010), é classificado como médio, colocando o município na 18ª posição em Mato Grosso do Sul. Para saber mais sobre Rio Negro, acesse o Mapa Interativo acima.

Nesse contexto de economia baseada sobretudo na agropecuária, além dos setores de serviços e comércio, a chegada da primeira fábrica de bolsas de luxo do estado provocou uma reviravolta. A presença da grife ressignificou a identidade local: de produtora de commodities, Rio Negro desponta agora também como um polo de criatividade, talento e sofisticação, abrindo novas oportunidades para a comunidade.

Da sala de aula ao mercado de luxo internacional

Natural de Rio Negro, a professora, empresária e mãe de três filhas, criadora da marca Zanir Furtado, nunca perdeu a ligação com a cidade onde cresceu. Foi professora por 12 anos na cidade e mesmo depois de se mudar oficialmente para Brasília, seguia retornando ao município com frequência. Em uma dessas viagens, em 2019, diante do fechamento de escolas e da redução da população, começou a refletir sobre como poderia transformar aquela realidade.

“Eu sempre vi potenciais onde as pessoas viam dificuldades. Todo mundo reclamava, a cidade diminuindo, mas eu pensava: nós temos couro pantaneiro, turismo, argila, Cerrado e Pantanal ao mesmo tempo. Temos tanta riqueza. Precisávamos apenas de alguém que ousasse investir”, recorda. Confira, na linha do tempo abaixo, detalhes da trajetória de Zanir Furtado.

A ideia de instalar uma fábrica de bolsas de couro no município ganhou força a partir de uma conversa com o então marido, hoje sócio no negócio. “Ele me disse: ‘Por que você não faz isso? Você é filha da região, conhece melhor do que ninguém as pessoas e as dificuldades’. Era como se dissesse que eu era a pessoa indicada”, lembra.

A decisão não foi imediata. Antes, Zanir mergulhou em estudos de viabilidade. Durante um ano, mapeou o mercado interno e externo, pesquisou potencialidades, avaliou o valor agregado do couro pantaneiro e concluiu que o único caminho seria o mercado de luxo. “Eu só queria gerar empregos, mas percebi que a única forma de manter a produção em Rio Negro era posicionar o couro pantaneiro no mercado de alto padrão. Me apaixonei de verdade pela proposta e pelo propósito.”

Foi então que nasceu a grife. O sonho, contudo, se concretizou em meio ao maior desafio recente da economia mundial. “Nós inauguramos em 17 de dezembro de 2020, em plena pandemia. Muitos duvidavam que seria possível. Mas eu sempre digo que foi um projeto abençoado. Eu não tinha noção de como seria possível, mas sabia que seria. Coloquei Deus na frente e pedi sinais de que estava no caminho certo. E cada passo foi sendo preparado.”

Mesmo em um cenário adverso, o início superou todas as expectativas. “Já na primeira semana vendemos todo o estoque produzido. Fizemos venda de peças em cima da mesa, ainda em fase de produção, no dia da inauguração. Levei para Rio Negro, em plena pandemia, algumas das maiores autoridades do estado. Fiz os convites pessoalmente, sem saber se seriam aceitos, mas todos compareceram. Foi mágico.”

Desde então, Zanir sustenta que sua marca nasceu com uma identidade clara: ser do Pantanal para o mundo. “Eu digo sempre: a Zanir Furtado é uma grife brasileira que já nasceu para ser do Pantanal para o mundo. O couro pantaneiro já é reconhecido no mercado internacional de luxo. Ele já é exportado, mas sem agregar nada à nossa região. Meu propósito é mudar essa lógica e mostrar o valor que nós temos.”

Para ela, cada conquista da marca é reflexo de uma determinação guiada pela fé. “Nunca tive tantos milagres na vida como desde que decidi investir na Zanir Furtado. Esse projeto foi preparado por Deus, e cada vitória confirma que estamos no caminho certo.” Esse reposicionamento elevou o valor do couro e inseriu o Pantanal no mapa da moda global, provando que o luxo também pode nascer de um território historicamente associado apenas à agropecuária.

Design com identidade pantaneira e produção quase artesanal

Além de empreendedora, Zanir também assina o design das peças. Ela estudou tendências na Escola de Moda Profissional (EMP), em São Paulo, e em instituições da Europa e dos Estados Unidos, como a Parsons School of Design, e construiu um estilo próprio. “Nossas bolsas equilibram o atemporal com a essência do Pantanal. Não seguimos modismos. São joias pensadas para transcender gerações”, afirma.

Cada criação recebe um nome e uma história, muitas vezes inspiradas no cotidiano da fábrica. A coleção Pantanal, por exemplo, remete à tradição da selaria local. Já a peça Diva, presenteada pelo governador à princesa japonesa, combina azul-cobalto e azul-tífani em referência às águas pantaneiras. “Cada detalhe carrega uma identidade. É design, mas também é narrativa”, ressalta.

Linha de produção da indústria Zanir Furtado em Rio Negro (Foto: Zanir Furtado/Divulgação).

Diferentemente de grandes marcas que terceirizam a produção em larga escala, a Zanir Furtado aposta na manufatura quase artesanal. Cada bolsa leva entre 15 e 60 dias para ser confeccionada, em processos que exigem técnica, paciência e dedicação. Além disso, cada peça tem um número limitado de unidades, definido pela própria empresária, e que gira em torno de 200 bolsas.

“É uma indústria-escola. Nós capacitamos e oferecemos oportunidade a pessoas que jamais imaginaram trabalhar com moda de luxo. E elas entregam um produto à altura das melhores grifes internacionais”, explica a fundadora.

Atualmente, a empresa emprega 12 colaboradores em regime CLT, todos moradores de Rio Negro e com salários acima da média local. “Queremos reter talentos. O trabalho artesanal é nossa marca, e cada bolsa carrega não apenas a identidade do Pantanal, mas também a de quem a produziu”, acrescenta.

Reescrevendo histórias

A história de Thaís Gabriela, de 23 anos, sintetiza o impacto social da fábrica em Rio Negro. Natural de Campo Grande, ela começou a trabalhar cedo e, antes de chegar à Zanir Furtado, teve experiências como balconista e atendente de call center. “Eu trabalhava meio período e recebia meio salário mínimo. Só dava para pagar o aluguel e sobreviver, ainda assim com ajuda dos meus pais. Eu morava sozinha desde os 18 anos, sem minha filha ainda, e vivia com pouco, sem perspectivas”, relembra.

A virada aconteceu quando foi selecionada para a equipe da empresa. “Eu estava na expectativa muito grande de ser chamada, porque queria muito essa oportunidade. Desde o processo de capacitação, entendi que não se tratava apenas de aprender a costurar ou operar máquinas, mas de descobrir talentos que nem eu sabia que tinha. O processo de aprendizado lá nos capacita para a vida. Eu nunca imaginei que conseguiria costurar uma peça ou montar uma bolsa, e hoje faço isso com orgulho. Foi onde mudou totalmente a minha vida.”

Thaís Gabriela, de 23 anos, teve a vida transformada ao ingressar na Zanir Furtado (Foto: Zanir Furtado/Divulgação).

O trabalho trouxe não apenas estabilidade financeira, mas também um novo sentido de realização pessoal. “Hoje eu consigo pagar meu aluguel, cuidar da minha filha, presentear meus pais e estar presente financeiramente na vida da minha família. Minha maior conquista não foi material, mas sim o autoconhecimento, o auto-reconhecimento. Descobri que sou capaz.”

Thaís também fala com emoção sobre a repercussão internacional da marca. “Saber que uma peça que ajudei a produzir foi usada pela princesa do Japão foi um boom de sentimentos. Foi como se eu mesma estivesse sendo reconhecida. Nunca pensei que, em uma cidade tão pequena, eu pudesse estar conectada a algo tão grande.”

Para ela, a chegada da empresa mudou a forma como Rio Negro é vista. “A Zanir Furtado foi um imã de oportunidades. A partir do momento em que acreditou na cidade, outros negócios também passaram a olhar para cá. Pessoas que antes só pensavam em ir embora agora enxergam que podem crescer aqui.”

Fé, propósito e sustentabilidade

A essência da grife também está enraizada na fé e na visão de sua fundadora. Zanir costuma dizer que cada passo da marca foi guiado por sinais divinos. Um deles, vivido na virada de 2020 para 2021, transformou-se em propósito permanente.

“Tinha que ser em 2020, no auge da pandemia. Eu pedi a Deus um sinal, não sabia se conseguiríamos inaugurar a indústria ainda naquele ano. Consegui abrir na última semana de dezembro, uma semana antes do Natal, na data mais improvável possível. No Réveillon, sonhei que alguém me dizia: ‘Você está tão preocupada com a sustentabilidade, que tal comprar uma Zanir Furtado e plantar uma árvore?’ Eu repeti: ‘Que tal comprar uma Zanir Furtado e plantar uma árvore no Pantanal?’. Foi um sinal. Isso virou um compromisso vitalício da marca”, recorda.Veja no vídeo abaixo mais sobre o trabalho de sustentabilidade da grife.

Desde então, a cada bolsa vendida, uma árvore nativa é plantada no Pantanal, uma das maiores áreas úmidas contínuas do planeta, com 138 mil km², dos quais 65% estão em Mato Grosso do Sul, e que tem em Rio Negro, sede da empresa, um portal.O bioma, reconhecido pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera, abriga mais de 3,5 mil espécies de plantas e centenas de animais, entre peixes, aves, répteis e mamíferos.

Para Zanir, a preservação do território é parte inseparável da missão da marca. “Não é apenas moda, é legado. Queremos mostrar que é possível gerar valor sem destruir. É do Pantanal para o mundo, mas sempre cuidando das nossas raízes”, afirma.

Esse cuidado ambiental se reflete também no processo produtivo: a empresa utiliza couro orgânico, proveniente de gado criado em pastagens naturais do Pantanal, em parceria com frigoríficos certificados.Há ainda um trabalho constante de redução de resíduos, reaproveitamento de materiais, busca pelo selo Lixo Zero e adoção de energia solar, além de projetos para captação de água da chuva.

No pilar social, a marca promove uma transformação profunda na vida de seus colaboradores e da comunidade de Rio Negro. O relato de Thaís Gabriela, detalhado acima, ilustra esse impacto e se conecta ao ideal de empoderamento feminino que a grife abraça.

“É uma indústria-escola. Nós capacitamos e damos oportunidade a pessoas que jamais imaginaram trabalhar com moda de luxo. E elas entregam um produto à altura das melhores grifes internacionais”, reforça Zanir. Esse investimento em pessoas, somado ao pagamento de salários acima da média local e à geração de empregos formais em Rio Negro, fortalece o eixo econômico do tripé da sustentabilidade.

Com impacto social, responsabilidade ambiental e geração de valor agregado, em um estado que abriga o quinto maior rebanho bovino do país, com cerca de 18 milhões de cabeças de gado, a Zanir Furtado se consolidou como referência em moda com propósito.

Reconhecida pelo Sebrae/MS com a certificação em políticas ESG, a grife projeta o Pantanal para o mundo, mostrando que a riqueza local pode se transformar em produtos de luxo sem abrir mão do cuidado com a terra e com as pessoas que dela vivem.

Campo Grande, franquias e expansão global

O próximo passo da marca é a abertura da primeira loja física em Campo Grande, na rua Euclides da Cunha, ainda em 2025. Outras nove unidades próprias estão previstas para o Brasil e o exterior, além da análise de franquias em mercados como Dubai e Portugal. “O limite é o mundo. Queremos manter a exclusividade, mas expandir com responsabilidade. Nossa infraestrutura já está pronta para aumentar a produção sem perder qualidade”, afirmou Zanir.

A expansão internacional também ganha força por meio de uma rede de representantes já estabelecida em países como França, Portugal, Reino Unido e Alemanha, além das recentes aberturas de mercado no Chile, Paraguai e Japão. Para cada novo destino, a marca realiza o registro de propriedade industrial, garantindo a proteção da identidade e reforçando a seriedade do trabalho.

Empresária Zanir Furtado (Foto: Anderson Viegas/Made in MS).

O crescimento é impulsionado ainda pelas vendas digitais. A loja virtual foi adaptada para atender ao mercado internacional e hoje entrega para qualquer lugar do mundo. “Apesar de ser um produto exclusivo, voltado para o mercado de luxo, é essencial estar na internet. Isso amplia muito a nossa capilaridade”, destacou a empresária, que estruturou uma equipe própria de marketing para acompanhar a nova demanda.

Paralelamente, Zanir projeta a criação de novos polos de capacitação em Mato Grosso do Sul, com o objetivo de multiplicar o conhecimento e revelar talentos locais. “Queremos que mais pessoas possam participar desse processo. Talvez alguns façam apenas partes específicas das bolsas, mas isso já gera oportunidades”, explicou.

Para a empresária, a Zanir Furtado é muito mais do que um empreendimento: é um chamado. “Planejei cada passo, mas não imaginava que me sentiria tão plena. Deus me deu a missão de transformar vidas, valorizar o Pantanal e levar nosso nome para o mundo. Hoje tenho a certeza de que estamos cumprindo esse propósito e que o nosso limite é o mundo”, afirma.

Ela diz que, apesar de sua história já ter ultrapassado fronteiras e a ter tornado uma referência internacional em empreendedorismo feminino, sustentabilidade e inovação, a simplicidade segue sendo sua marca pessoal.

“Para mim, tudo isso é muito natural. Sou uma mulher simples, aquela menina criada em fazenda, que até hoje cozinha no fogão a lenha sempre que pode. Mas, ao mesmo tempo, carrego a responsabilidade de representar uma marca de luxo, de levar o nome Zanir Furtado para além das nossas fronteiras e, sobretudo, de inspirar outras mulheres a acreditarem no próprio potencial.”

Luxo ressignificado

Para a professora e estudiosa em gestão estratégica da Universidade Estácio, Leila Cristina Oliveira, a ascensão da marca Zanir Furtado é um marco de transformação no setor. Para ela, o caso mostra que a origem geográfica deixou de ser uma limitação no mundo globalizado.

“No caso da Zanir Furtado, há um conjunto de fatores que tornam isso possível: autenticidade, qualidade, identidade forte e consistência. Mesmo sendo de uma cidade pequena, ela soube posicionar suas peças como algo exclusivo, feito com cuidado e carregado de história. Isso tem muito valor no mercado de luxo atual, que já não é mais tão centrado apenas em Paris, Milão ou Nova York; ele está mais atento à originalidade, ao feito à mão e ao significado por trás do produto.”

Para especialista, a autenticidade, qualidade, identidade forte e consistência, explicam o sucesso da Zanir Furtado no mercado de luxo mundial (Foto: Zanir Furtado/Divulgação).

Na análise da pesquisadora, a valorização da origem local é um diferencial competitivo cada vez mais determinante. “O consumidor de luxo está mais consciente, mais curioso. Ele quer saber de onde vem o que consome, quem fez, com que propósito. Quando a identidade local é bem trabalhada, seja na escolha dos materiais, nas técnicas produtivas ou nas referências culturais, a marca ganha autenticidade, que é um dos valores mais buscados atualmente.”

Ela lembra, entretanto, que não basta apenas ter uma origem autêntica: é preciso traduzi-la em linguagem contemporânea, com sofisticação e cuidado estético. “Isso faz com que o ‘luxo com identidade local’ não seja visto como algo exótico, mas como algo legítimo, sofisticado e relevante no cenário internacional.”

A professora também elogia o trabalho de branding (construção e gestão da marca) e posicionamento da grife. “Para que um produto artesanal seja percebido como luxo, é preciso um trabalho muito cuidadoso de branding, que envolve desde o design da peça até a forma como ela é comunicada ao mundo. O artesanato, quando bem executado, já tem valor agregado pela sua exclusividade. O que o transforma em desejo global é a maneira como essa exclusividade é apresentada. O uso de materiais nobres, o acabamento impecável, a identidade visual elegante, a embalagem sofisticada e um discurso coerente com o universo do luxo são pontos essenciais.”

A especialista diz que o posicionamento da marca é claro e que não se trata apenas de vender uma bolsa, por exemplo, mas de oferecer uma experiência simbólica, emocional, estética e cultural. “O fato de uma princesa japonesa receber uma peça assim não é casual, é o reflexo de um posicionamento bem estruturado.”

Leila também ressalta a importância das ferramentas de marketing no sucesso da marca. “O storytelling é, sem dúvida, uma das ferramentas mais poderosas nessa construção. No mercado de luxo contemporâneo, a história por trás do produto pesa tanto quanto o próprio produto. No caso de marcas como a Zanir Furtado, a história da fundadora, sua trajetória, os desafios superados e sua relação com a comunidade são elementos que humanizam a marca e aumentam a conexão emocional com o consumidor. Isso cria uma percepção de valor que vai além do tangível.”

Outro instrumento importante, conforme a professora, é o marketing de causa, uma estratégia que possibilita ligar cada compra a uma transformação positiva na sociedade ou no meio ambiente. No caso da Zanir Furtado, a iniciativa de plantar uma árvore no Pantanal a cada bolsa vendida é o exemplo mais simbólico.“Quando a marca demonstra que parte de seus lucros retorna para a comunidade, ou que sua produção é sustentável e socialmente justa, ela se alinha com valores que são cada vez mais importantes para o consumidor global. Isso fortalece o vínculo e transforma o ato de consumir em um ato de apoiar.”

Na avaliação da professora, a soma desses fatores consolida a posição da Zanir Furtado como referência em uma moda de propósito, ancorada no chamado tripé da sustentabilidade. No pilar social, a empresa se destaca pela geração de empregos e pelo protagonismo dado às mulheres da comunidade; no ambiental, assume o compromisso permanente de reflorestar o Pantanal e adotar práticas produtivas de menor impacto; e, no aspecto econômico, transforma o couro pantaneiro em produtos de alto valor agregado, inserindo Rio Negro de forma inédita no mapa do luxo internacional.

“Esse caso revela algo que venho observando como professora e pesquisadora da área: o luxo está sendo ressignificado. O consumidor de luxo de hoje não está apenas em busca de status, ele quer histórias, conexão, impacto positivo. A exclusividade continua sendo importante, mas agora é interpretada também como singularidade, como identidade. E marcas como a Zanir Furtado entregam isso com maestria, não apenas pelo produto final, mas por todo o contexto envolvido. Querem se sentir parte de algo maior. O luxo do futuro e do presente é mais humano, mais consciente e mais conectado com o real”, conclui.

Impacto e legado em Rio Negro

O prefeito de Rio Negro, Henrique Vargas Mitsuo Ezoe, acompanha de perto a transformação que a grife trouxe para a economia local. Para ele, a chegada da empresa ajudou a diversificar os negócios do município e abriu novas perspectivas.

“A atuação da Zanir Furtado diversifica o mercado e contribui para a geração de empregos formais e, ao levar o nome de Rio Negro para o mercado de bolsas, a empresa atrai novos olhares e mostra que também estamos dispostos a receber novos setores, como indústria, comércio e outros serviços, fortalecendo a imagem da cidade como polo de produção de alta qualidade”, afirmou.

Prefeito de Rio Negro, Henrique Vargas Mitsuo Ezoe (Foto: Prefeitura de Rio Negro/Divulgação).

Segundo o prefeito, o reconhecimento conquistado no mercado nacional e internacional de luxo também elevou a autoestima do município. “O sucesso da empresa mudou a imagem de Rio Negro no estado e em âmbito nacional. Mostra que, apesar de sermos uma cidade pacata, temos potencial de desenvolver e exportar produtos de alta qualidade e inovação. Essa visibilidade fortalece Rio Negro como um promissor polo, capaz de gerar produtos e serviços, podendo até atrair novos investimentos do setor, do turismo e de outras oportunidades comerciais.”

Para Ezoe, até mesmo os gestos mais simbólicos têm grande significado para a comunidade, como o presente oferecido à princesa japonesa durante visita a Mato Grosso do Sul. “Nossa cidade tem raízes japonesas. Colonos ajudaram a construir Rio Negro e oferecer uma bolsa feita aqui é como devolver parte desse legado. Foi um marco para todos nós”, destacou.

Ele revelou que o poder público também busca fortalecer esse movimento. A prefeitura lançou o Programa de Desenvolvimento de Rio Negro (Proderne), voltado a apoiar empreendimentos locais.“Estamos comprometidos em criar um ambiente favorável ao empreendedorismo e à inovação. Pretendemos implementar políticas públicas e parcerias estratégicas para fomentar a capacitação, a qualificação e a diversificação da economia. Nosso objetivo é criar um ecossistema que não apenas apoie a Zanir Furtado, mas que também incentive outras empreendedoras a prosperar e contribuir para o futuro do município”, completou.

Para o prefeito, a marca se tornou um cartão de visitas de Rio Negro para o mundo, ajudando a atrair novos investimentos e fortalecer a economia. “A história da Zanir Furtado faz parte de Rio Negro. Ela é mulher, mãe, professora, artista plástica, mas, acima de tudo, uma pessoa que ama e valoriza suas raízes. Sua trajetória transmite uma mensagem de transformação para outros empreendedores e cidades pequenas: com visão, dedicação, persistência, inovação e resiliência é possível transformar recursos locais em um produto de excelência reconhecido internacionalmente”, concluiu.

O mercado de luxo: retração global, expansão brasileira

Conforme a consultoria Bain & Company, o mercado global de luxo movimentou € 1,48 trilhão em 2024, mas registrou retração de até 3% em relação a 2023, o pior desempenho desde 2008. Para 2025, a expectativa é de uma recuperação lenta, com crescimento mundial entre 0% e 4%.

No Brasil, porém, o movimento foi em sentido oposto. O setor avançou 11,7% em 2024, colocando o país na nona posição entre os que mais cresceram no mundo no período. A tendência é de continuidade: segundo o relatório Luxury Lab Global 2024, da Euromonitor International, projeta-se crescimento de 7% em 2025 e de 22% nos próximos cinco anos.

Infográfico com dados sobre o mercado de luxo no mundo e no Brasil (Arte: Anderson Viegas/Made in MS).

A Euromonitor aponta como motores dessa expansão a retomada do poder de compra e o protagonismo das gerações Millennial (1981–1996) e Z (nascidos a partir de 1997), cuja renda deve crescer em dois dígitos até 2040. O estudo mostra ainda que 33% dos consumidores de alta renda no país priorizam empresas com propósito claro e identidade de marca consistente, cenário que favorece grifes emergentes que unem sustentabilidade, exclusividade e cultura regional, como a Zanir Furtado.

Nesse contexto, o segmento de bolsas e acessórios ganhou destaque no Brasil em 2024, impulsionando o avanço do chamado mercado de luxo pessoal. Para 2025, a projeção permanece positiva, sustentada pela força do consumo interno e pela chegada de novas marcas internacionais.

Ambiente favorável para o crescimento no estado

Enquanto a grife Zanir Furtado se consolida como marca internacional, Mato Grosso do Sul também atravessa um período de prosperidade e estímulo ao empreendedorismo. Esse cenário já havia sido ressaltado em 2020, na inauguração da fábrica em Rio Negro, pelo então secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação, Jaime Verruck.

Inauguração da indústria Zanir Furtado, em 17 de dezembro de 2020 (Foto: Divulgação/Semadesc).

“Empresário que não sonha não sai do lugar. Essa indústria traz referência de marca Pantanal, é a primeira do estado em bolsas de couro e contribui para o desenvolvimento de Rio Negro. Este produto agrega valor à matéria-prima, que é o couro, e vai ser vendido não só para o Brasil, mas para o mundo, pela qualidade. Também teremos uma vinculação com o município para atrair novos investimentos”, afirmou na época.

No SebraeJor, em setembro de 2025, Verruck reforçou essa visão, destacando que o estado vive um momento de expansão sem precedentes, com expectativa de crescimento de 5,5% no PIB em 2025, acima da média nacional. Ele relaciona a projeção a três vetores estratégicos: florestas plantadas, proteínas e bioenergia. “Temos a possibilidade de crescer 5,5% neste ano”, disse, destacando a forte recuperação do agronegócio, estimada em 17%, e a expansão da indústria de transformação, setor que inclui a atuação da Zanir Furtado.

O secretário ressalta que Mato Grosso do Sul pretende levar para a AgriZone da COP-30, em Belém, um portfólio que conecte produção sustentável e descarbonização. Entre os avanços, cita a conversão de 5 milhões de hectares de pastagens em áreas produtivas na última década, a liderança nacional em integração lavoura-pecuária-floresta (3,6 milhões de hectares) e uma matriz elétrica 94% limpa, sustentada principalmente pela bioenergia, agora reforçada pela entrada do biometano em escala e pelo protagonismo da indústria de celulose.

Os indicadores reforçam a competitividade do estado em diferentes áreas: 1º lugar no crescimento da indústria de transformação, na mobilidade social, no percentual de pessoas que vivem em ruas arborizadas e em logística reversa de embalagens pós-consumo; 2º lugar em número de municípios entre os mais ricos do agro, em progresso social da capital, em percentual de pessoas com ensino superior e em capital humano; 3º lugar entre as menores taxas de extrema pobreza do Brasil. “São avaliações feitas por instituições independentes, que reforçam nossa trajetória”, ressaltou Verruck.

As prioridades da política de desenvolvimento foram organizadas em três eixos principais:

  • Segurança alimentar: avanço da agroindustrialização, redução de perdas, aumento de produtividade com base em ciência e tecnologia e conversão sustentável de 4,7 milhões de hectares de pastagens ainda degradadas.
  • Transição energética: expansão do etanol e da biomassa, novos projetos de biometano e atração de investimentos voltados à descarbonização com energia limpa e estável.
  • Inclusão: redução da extrema pobreza por meio de busca ativa e qualificação profissional, com programas de formalização e intermediação de mão de obra para atender à demanda empresarial.

“Estamos estruturando cadeias para que o crescimento se traduza em renda, emprego e permanência dos investimentos”, concluiu Verruck.

Compartilhe:

Útimas notícias

plugins premium WordPress