05/10/2025 17:01

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A virada do carbono: Mato Grosso do Sul se posiciona para liderar a corrida climática no Brasil

A meta de neutralizar as emissões de carbono até 2030 evoluiu para um compromisso multissetorial, com responsabilidade compartilhada e a sustentabilidade consolidada como ativo estratégico para o futuro do estado.

Anderson Viegas

Estado, no centro da balança, busca o equilíbrio, neutralizar as emissões de gases do efeito estufa, com um trabalho multissetorial, que vai da indústria e do agro até o turismo, passando por comércio e outros segmentos (Arte: Anderson Viegas/Made in MS).

Mato Grosso do Sul mostra ao Brasil e ao mundo que é possível conciliar crescimento econômico com responsabilidade ambiental. Em 2025, o estado deve registrar, conforme resenha do Banco do Brasil, a segunda maior expansão do Produto Interno Bruto (PIB) do país, com crescimento estimado de 5,5%, quase o triplo da média nacional, projetada em 2%, segundo o Banco Central. Enquanto acelera seu desenvolvimento, o estado também avança, de forma estratégica, na agenda climática, construindo sobre bases sustentáveis o caminho para atingir a neutralidade de carbono até 2030, duas décadas antes da meta nacional estabelecida pelo Acordo de Paris, em 2015.

Essa trajetória inspiradora, resultado da parceria entre o poder público, a iniciativa privada, a sociedade civil organizada e a academia, será destaque na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30), que será realizada em novembro, em Belém (PA). O estado apresentou, e a Embrapa aprovou, a proposta do “MS Day – MS Carbono Neutro na COP30”, que integrará a programação do espaço dedicado à agricultura sustentável no evento, o AgriZone.

Durante essa participação, será firmado o Pacto MS Carbono Neutro, com o objetivo de engajar ainda mais o setor produtivo e a sociedade no cumprimento da meta assumida pelo governo estadual. “A iniciativa busca transformar um compromisso governamental em um pacto social abrangente”, destaca em artigo sobre o assunto o chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agropecuária Oeste (em Dourados), Rafael Zanoni Fontes.

Fontes aponta que a presença do estado na COP-30 representa um marco. “É o momento em que Mato Grosso do Sul mostra ao mundo que é possível crescer economicamente com responsabilidade climática”, afirma. Ele reforça que esse sucesso não exigiu abandonar o agronegócio, mas reinventá-lo, unindo pesquisa, políticas públicas e produtores rurais para criar um verdadeiro laboratório vivo de sustentabilidade. Para o pesquisador, o estado demonstra que a revolução climática não precisa ser disruptiva para ser transformadora: “Ela pode ser construída passo a passo, com ciência, inovação e compromisso social, como já acontece no coração do Brasil.”

Contexto

A busca de Mato Grosso do Sul pela neutralização de suas emissões de carbono ocorre em um cenário marcado pelo avanço das mudanças climáticas, com aumento da temperatura média global, perda de biodiversidade, escassez de recursos naturais e intensificação de eventos climáticos extremos.

Planeta enfrenta cenário de mudanças climáticas, com eventos climáticos extremos cada vez  mais freqüentes, aumento da temperatura média global, perda de biodiversidade e escassez de recursos naturais, como a água (Foto: Arquivo/Made in MS/Freepik).

Diante desse cenário, cresce a mobilização de governos, empresas, ambientalistas, sociedade civil organizada e cidadãos em torno de um objetivo comum: encontrar caminhos para promover o desenvolvimento sustentável, conciliando crescimento econômico com preservação ambiental.

Nessa equação, a sustentabilidade pressupõe o uso equilibrado dos recursos naturais, incentiva práticas como a reciclagem e a economia circular, reduz o desperdício e protege ecossistemas vitais. Se trata de um modelo em que crescimento econômico, justiça social e equilíbrio ecológico convivem de forma harmônica.

Dentro desse modelo, a neutralização das emissões de gases de efeito estufa (GEE) assume papel central. Substâncias como dióxido de carbono (CO₂), metano (CH₄) e óxido nitroso (N₂O) estão entre as principais responsáveis pelo aquecimento global. Neutralizar essas emissões significa atingir um ponto em que todo o carbono lançado na atmosfera pelas atividades humanas seja compensado por iniciativas que o removam do ar, como regeneração florestal, tecnologias de captura de carbono e práticas produtivas de baixo impacto. Esse é o princípio do “carbono neutro”, objetivo global estabelecido pelo Acordo de Paris, em 2015, que estipulou 2050 como prazo para alcançar a neutralidade climática.

É nesse contexto que Mato Grosso do Sul se destaca ao assumir um compromisso ousado: tornar-se o primeiro estado brasileiro a zerar o balanço de emissões líquidas até 2030. A proposta antecipa em 20 anos a meta internacional e posiciona o estado como referência em sustentabilidade no país. O compromisso mobiliza setores estratégicos da economia sul-mato-grossense, da agropecuária à indústria, passando pelo comércio, serviços e turismo, todos inseridos em uma agenda que busca conciliar crescimento econômico com preservação ambiental. Nesta reportagem especial confira o que alguns dos principais setores do estado estão fazendo para atingir a meta do carbono neutro.

Se Mato Grosso do Sul pode ser o primeiro estado a atingir essa meta, Fontes afirma, com base em estudos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), que o Brasil pode ser o primeiro país do G-20 a alcançá-la. Em 2024, na COP-29, em Baku, no Azerbaijão, quatro países em desenvolvimento, com economias menores que a brasileira, Butão, Suriname, Panamá e Madagascar, anunciaram que estavam absorvendo mais carbono do que emitiam e criaram a Aliança G-Zero, voltada a estimular outras nações a aumentarem suas metas de redução e enfrentarem a crise global provocada pelas mudanças climáticas. Veja no mapa interativo abaixo informações sobre os quatro países do G-Zero:

Esses países, caracterizados por grandes áreas de floresta nativa, baixa densidade populacional e políticas ambientais rígidas, funcionam como sumidouros naturais de carbono.A meta de Mato Grosso do Sul é ainda mais complexa por se tratar de um estado economicamente dinâmico, com forte produção agroindustrial e população urbana crescente. O objetivo é mostrar ao Brasil e ao mundo que é possível crescer com sustentabilidade, gerar renda, preservar os recursos naturais e neutralizar as emissões de gases de efeito estufa.

Mas, na prática, como o estado pretende atingir essa meta?

O secretário-adjunto de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação de Mato Grosso do Sul, Artur Henrique Leite Falcette, explica que a neutralidade de carbono no estado significa “neutralizar as emissões do escopo 1 e 2”, ou seja, aquelas ligadas diretamente à produção e à energia utilizada dentro do território estadual. “Tudo aquilo que o Mato Grosso do Sul produz e a energia que ele usa para essa produção dentro do seu território será neutralizado. É isso que é ser estado carbono neutro lá em 2030”, afirma.

Veja abaixo a íntegra da entrevista de Falcette ao Made in MS:

Segundo ele, a política teve início ainda na gestão anterior, de Reinaldo Azambuja, quando o governo estadual percebeu que o processo de industrialização sul-mato-grossense estava ocorrendo ancorado em cadeias sustentáveis, como a da bioenergia, das florestas plantadas para a produção de celulose e, mais recentemente, da citricultura. Para atender suas demandas, esses setores recuperavam e faziam a conversão de pastagens degradadas em áreas produtivas, o que contribuía para a absorção de carbono, pois aumentava o acúmulo de matéria orgânica no solo e restaurava a fertilidade dessas áreas.“O estado entendeu que tinha de aproveitar essa tendência, instituir uma política, o programa MS Carbono Neutro, e a partir daí incentivar. Então, focou desde então esforços, do ponto de vista da atração de investimento, para indústrias que estivessem alinhadas com esse conceito”, detalha.

Falcette lembra que Mato Grosso do Sul foi pioneiro na criação de uma política estadual de mudanças climáticas em 2014 e que, desde então, estruturou regulamentações como o Pró-Clima e o Fórum Sul-Mato-Grossense de Mudanças Climáticas para dar governança às ações. “Não é só dizer que vai ser o carbono neutro em 2030. Eu tenho que demonstrar. Tenho que primeiro dizer como e depois ter a capacidade de demonstrar”, ressalta.

Ele afirma que, a partir dessa base conceitual sólida, o estado avança na consolidação de sua política climática com uma governança articulada e um pacote integrado de ações estratégicas. Com o conceito de descarbonização orientando as decisões, o estado estruturou um planejamento que se traduz em medidas concretas para alinhar desenvolvimento e preservação ambiental.

Essa virada operacional, conforme o secretário-adjunto, inclui o fortalecimento do combate ao desmatamento, o estímulo à expansão de cadeias agropecuárias sustentáveis, a ampliação de instrumentos legais, como a nova Lei do Pantanal e a implementação de programas de pagamento por serviços ambientais.

Essa “cesta de ações”, como define Falcette, tem como meta última a redução consistente das emissões por unidade de PIB, promovendo uma economia que cresce enquanto se descarboniza.

Um dos principais desafios para que Mato Grosso do Sul atinja a neutralidade de carbono, segundo o secretário-adjunto, está em mensurar com precisão as emissões e, especialmente, as remoções ou compensações de carbono. Ele explica que, enquanto os dados sobre emissões seguem metodologias amplamente padronizadas e aplicáveis em qualquer lugar do mundo, os critérios para calcular as remoções são muito mais heterogêneos, variando de acordo com fatores como localização, clima, tipo de solo e capacidade produtiva das cadeias envolvidas. “A nossa expectativa é que, a partir do final do ano que vem, consigamos tipificar e demonstrar com clareza as remoções associadas às diferentes cadeias agropecuárias”, afirma.

Mesmo diante dessa complexidade, o estado deu um passo importante em 2024 com o lançamento do Carbon Control, um sistema próprio de monitoramento, inventário e certificação de emissões de gases de efeito estufa. Desenvolvido e gerido pelo Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), o sistema já registra cerca de mil empreendimentos cadastrados, abrangendo desde propriedades rurais até indústrias e empresas de serviços. A meta é encerrar 2025 com pelo menos 1.200 empresas certificadas, ampliando a capacidade do estado de controlar e comprovar o volume total de gases emitidos e removidos no território sul-mato-grossense.

Falcette destaca que a mensuração de remoções é essencial para que o estado possa comprovar, de forma técnica e reconhecida, o seu balanço líquido de carbono. “Precisamos ter a capacidade de demonstrar a remoção para chegar ao que é o balanço. E isso não pode se basear apenas em declarações. Teremos que passar por um processo de certificação”, explica. Ele acrescenta que o próximo passo será buscar o reconhecimento por meio de uma certificadora, nacional ou internacional, com metodologia robusta, que ateste oficialmente a neutralidade de carbono de Mato Grosso do Sul.

Um dos principais desafios para que Mato Grosso do Sul atinja a neutralidade de carbono, segundo o secretário-adjunto, está em mensurar com precisão as emissões e, especialmente, as remoções ou compensações de carbono (Foto: Anderson Viegas/Made in MS).

O secretário-adjunto reforça que as referências científicas já disponíveis indicam que Mato Grosso do Sul está muito próximo de alcançar a neutralidade de carbono. Para embasar sua argumentação, ele cita a conversão de cerca de cinco milhões de hectares de pastagens degradadas em áreas produtivas destinadas à produção de grãos, cultivo de cana-de-açúcar e florestas plantadas. “Só a conversão desses cinco milhões de hectares degradados em áreas produtivas e em cadeias que têm um alto potencial de remoção já fez a gente caminhar uma trajetória que poucos estados conseguiram”, destaca.

Como outro indicador desse avanço, Falcette menciona os dados do Anuário do Clima, lançado em janeiro deste ano com informações de 2024, que mostram que, nos últimos 20 anos, a agropecuária de Mato Grosso do Sul foi a única do Centro-Oeste a apresentar descarbonização.“Conhecemos as cadeias que estão estabelecidas no estado qual é esse balanço. E a gente tem uma referência muito boa de que a gente, na verdade, está muito próximo da neutralidade. A nossa grande missão agora é demonstrar isso”, afirma o secretário.

De acordo com Falcette, cadeias como a pecuária de corte, a produção de grãos com plantio direto e sistemas integrados, além da bioenergia e das florestas plantadas, são hoje os grandes destaques que contribuem para a mitigação. Por outro lado, ele reconhece que ainda há desafios na mineração e na agricultura familiar tradicional, que exigem maior avanço tecnológico, além da necessidade de intensificar o combate ao desmatamento. “O desmatamento é um fator hoje bastante importante, não só para o nosso estado, mas também para o país. A gente tem uma fatia muito grande das emissões que é oriunda de desmatamento”, ressaltou.

Segundo o secretário-adjunto, do ponto de vista ambiental, a conquista colocará oficialmente o estado como um ator relevante na luta global contra as mudanças climáticas, demonstrando sua capacidade de contribuir de forma concreta para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Essa certificação servirá como uma chancela da contribuição sul-mato-grossense para os compromissos climáticos internacionais, como a meta intermediária brasileira no Acordo de Paris, prevista para 2035, e o objetivo global de neutralidade até 2050.

No entanto, os efeitos não se limitam ao aspecto ambiental. Ele aponta que o desdobramento mais estratégico será comercial. Com a chancela de carbono neutro, todos os produtos e serviços de Mato Grosso do Sul, da agropecuária à indústria, passando pelo turismo, tecnologia e serviços, passarão a carregar um atributo ambiental valioso. Esse diferencial pode abrir portas, agregando valor e competitividade, para mercados mais exigentes e restritivos, como o europeu, onde produtos com alta pegada de carbono já enfrentam barreiras, inclusive tarifas extras.

Falcette também destaca que esse reconhecimento já começa a atrair investimentos. Empresas de base tecnológica, como grupos asiáticos da área de data centers, têm interesse em Mato Grosso do Sul por conta de seu perfil energético, com 92% da matriz elétrica proveniente de fontes renováveis, e da perspectiva de neutralidade.

Indústria

O avanço de Mato Grosso do Sul rumo à neutralidade de carbono até 2030 ganha relevância também dentro dos parques industriais. Enquanto o governo estrutura políticas públicas e sistemas de certificação, como o Carbon Control, a indústria estadual se posiciona como agente ativo da transição para uma economia de baixo carbono.

Na indústria da bioenergia, o que era residuo, como essa montanha de bagaço de cana-de-açucar se torna subproduto para a geração de bioenergia, contribuindo para neutralizar as emissões de gases do efeito estufa (Foto: Anderson Viegas/Made in MS).

Esse protagonismo é impulsionado por ações lideradas pelo Sistema Fiems, que atua desde a atração de investimentos sustentáveis até o desenvolvimento de tecnologias para descarbonização.

Segundo Claudia Borges, gerente de sustentabilidade da Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (Fiems), o setor industrial vem incorporando uma série de boas práticas. “A geração de bioenergia a partir de resíduos de biomassa do setor sucroenergético, da suinocultura e da bovinocultura são exemplos estruturados e que já servem de referência no cenário nacional de inovação e sustentabilidade”, afirma.

A Fiems tem promovido, há dois anos, apoio técnico direto às indústrias na elaboração de inventários de emissões e na adoção de medidas de mitigação. “Visualizamos o inventário como um instrumento importante de gestão para o empresário. Ele pode ser usado para otimizar processos, custos e emissões e, consequentemente, gerar ganhos financeiros. Além disso, torna transparente a operação da empresa”, explica Claudia.

A partir desses dados, o Sistema Fiems orienta as empresas na construção de planos de descarbonização e compensação, inclusive com a possibilidade de compra de créditos de carbono provenientes de projetos certificados que preservam a biodiversidade local.Além do inventário, a Fiems oferece uma jornada completa de apoio à transição energética. Com o apoio do Sesi e do Senai, disponibiliza soluções em eficiência energética, locação de ativos renováveis e manutenção preditiva, com destaque para o hub “Em Conta”, que pode gerar economia de até 25% na conta de energia para as empresas, sem necessidade de investimento inicial.

Claudia Borges, gerente de sustentabilidade da Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (Fiems) (Foto: Fiems/Divulgação).

Segundo dados da coordenadoria de transição energética da Semadesc, com base no Sistema de Informações de Geração da Agência Nacional de Energia Elétrica (Siga-Aneel), a geração distribuída corresponde hoje a 98% do total de empreendimentos solares do estado. Claudia destaca o papel da indústria nesse cenário: “Acompanhamos empresas que criaram suas próprias usinas e auxiliamos com monitoramento e gestão de créditos de energia. Essa autonomia energética é um diferencial competitivo e ambiental”.

Além de implementar e apoiar diversas iniciativas, o Sistema Fiems também desenvolve tecnologias voltadas à descarbonização. O Instituto Senai de Inovação em Biomassa, localizado em Três Lagoas, é um dos principais centros de pesquisa da área no país.Nesse instituto, Claudia cita como exemplo o projeto Macrofuel, realizado em parceria com a CTG Brasil, que gerou um novo biocombustível similar ao diesel, a partir de óleo pirolítico extraído de plantas aquáticas. Outro destaque é o projeto Tupã, uma célula-reator desenvolvida com apoio da UFRJ, capaz de converter CO₂ e metano em combustíveis renováveis usando apenas energia limpa.

“O Senai também está desenvolvendo um inseticida biodegradável à base de biomassa vegetal, o Nullifly, e um biocombustível sólido de alta performance a partir de resíduos da castanha de caju. Tudo isso mostra que inovação e sustentabilidade caminham juntas no nosso estado”, resume Claudia Borges.

Senai está desenvolvendo inseticida biodegradável à base de biomassa vegetal, o Nullifly (Foto: Fiems/Divulgação).

Apesar dos avanços, ela reconhece que ainda existem gargalos. “Os principais desafios são a falta de conhecimento técnico interno nas empresas, o alto custo de tecnologias, o letramento sobre o tema e o engajamento de lideranças”, aponta. Para enfrentar essas barreiras, a Fiems aposta em programas como o ESG-Fiems, que conduz as empresas por um processo estruturado de autoavaliação, plano de ação e certificação com base em 69 indicadores.

“A certificação ESG [Ambiental, Social e Governança] é mais do que um selo, é uma mudança de cultura. Ela ajuda as empresas a identificarem riscos, oportunidades e a incorporarem critérios de sustentabilidade à sua rotina de gestão”, reforça a gerente de sustentabilidade.

A atuação da Fiems está diretamente alinhada à política climática estadual descrita pelo secretário-adjunto Artur Falcette, que destacou a necessidade de consolidar uma governança técnica para mensurar e comprovar as remoções de carbono. Nesse contexto, o papel da indústria é essencial. “A indústria organizada, engajada e com dados confiáveis ajuda o estado a demonstrar seu balanço líquido de carbono e a conquistar o reconhecimento como território carbono neutro”, conclui Claudia Borges.

Floresta e descarbonização

A agenda de descarbonização que vem ganhando corpo dentro dos parques industriais se materializa, de forma emblemática, na cadeia da celulose. Mesmo com pouco mais de 16 anos de presença em Mato Grosso do Sul, o setor se consolidou não apenas como um dos principais motores econômicos do estado, mas também como um dos instrumentos mais relevantes para que a meta de neutralidade climática até 2030 seja cumprida.

Mato Grosso do Sul tem mais de 1,750 milhão de hectares de florestas plantadas; Maciço contribui decisivamente para melhorar balanço de carbono do estado (Foto: Silas Ismael/Arquivo Pessoal).

Atualmente, Mato Grosso do Sul conta com quatro unidades de produção: uma da Eldorado Brasil, em Três Lagoas, e três da Suzano, duas também em Três Lagoas e uma em Ribas do Rio Pardo. Juntas, essas linhas têm capacidade para produzir 7,5 milhões de toneladas por ano.Esse volume deve mais que dobrar, ultrapassando 16 milhões de toneladas, com novos projetos em andamento, como a fábrica da Arauco, em Inocência, a da Bracell, em Bataguassu, e a segunda linha da Eldorado, em Três Lagoas.

O setor de celulose e papel já representa 10,7% do PIB estadual, movimentando R$ 15,7 bilhões em 2024, com previsão de investimentos de R$ 70 bilhões até 2028 nos novos projetos, segundo cálculo do governo do estado. Além de maior produtor, Mato Grosso do Sul também é o principal exportador de celulose do Brasil.

Segundo dados do ComexStat, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), de janeiro a agosto de 2025, o estado exportou 4,63 milhões de toneladas de celulose, gerando receita de US$ 2,18 bilhões, um aumento de 73,3% no volume e 49,1% nas receitas em relação ao mesmo período de 2024.

A celulose é o principal produto Made in MS embarcado para o mundo, respondendo por 36,56% da pauta estadual. No mesmo recorte, o estado foi responsável por 31,42% de todo o volume e 32,44% do total faturado pelo país.

Celulose Made in MS: principal produto exportado pelo estado (Foto: Anderson Viegas/Made in MS).

Conforme o governo estadual, fatores como a aptidão para o cultivo do eucalipto, a localização estratégica, condições climáticas favoráveis, grandes áreas de terras disponíveis e um ambiente institucional propício foram fundamentais para impulsionar essa expansão.Esse avanço está ancorado em um modelo sustentável de expansão florestal que possibilitou um crescimento de 500%, de 300 mil hectares para 1,750 milhão em 2025, em apenas uma década. A expansão ocorreu de forma planejada, com florestas plantadas em áreas já antropizadas, degradadas ou de menor potencial produtivo, concentradas na região leste do estado.

A ampliação do maciço florestal, conforme apontou anteriormente o secretário-adjunto da Semadesc, Artur Falcette, contribuiu muito para melhorar o balanço de carbono do estado. Pesquisas técnicas reforçam a capacidade do setor florestal de servir como sumidouro de carbono.

Um estudo da Embrapa Cerrados, em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), mostrou que o eucalipto pode armazenar grandes quantidades de carbono em sua biomassa aérea (troncos, galhos, folhas) e de forma expressiva no solo. Os resultados indicaram níveis superiores a 183,99 toneladas por hectare (t/ha) de carbono estocado, o que equivale a mais de 674 toneladas de CO₂ capturadas por hectare, destacando que os plantios de eucalipto não ficam atrás das áreas naturais no potencial de sequestro.

Estudo da Embrapa indicou que o eucalipto absorve níveis superiores a 183,99 toneladas por hectare (t/ha) de carbono estocado (Foto: Zig Koch/Arquivo Pessoal).

Na prática, isso significa que cada tonelada de celulose produzida carrega não apenas valor econômico, mas também um ativo climático: um estoque de carbono embutido na origem da matéria-prima.

A Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ) destaca em vários materiais, como relatórios e infográficos, que a expansão florestal, os estoques de carbono e o volume exportado convergem para construir um modelo de produção altamente estratégico. Na prática, o setor de celulose subsidia a restauração e a mitigação.

Conforme a IBÁ, as florestas cultivadas pelo setor operam em quatro frentes na descarbonização:

  • Remoção de CO₂: os plantios de eucalipto capturam carbono da atmosfera e o retêm em sua biomassa e nos solos.
  • Estoque de longo prazo: o carbono fica “embutido” na estrutura da madeira enquanto a floresta não é colhida.
  • Emissões evitadas: ao produzir energia renovável (biomassa, licor preto) e substituir produtos fósseis com materiais de base florestal, evitam-se emissões que ocorreriam com combustíveis, plásticos ou carvão.
  • Circularidade e reutilização: resíduos do processamento florestal (bagaço, torta de filtro, cascas) podem virar bioenergia, fertilizantes ou novos insumos industriais, reduzindo o envio de resíduos a aterros e promovendo uso integral dos recursos.

Além disso, a entidade ressalta que esse processo de circularidade e reutilização possibilita que a matriz energética das fábricas de celulose seja limpa, com média de 87% da energia consumida vindo de fontes renováveis, como biomassa, licor preto e gás de síntese oriundo da gaseificação florestal.

Pilha de cavaco de madeira utilizado como matéria-prima para indústria da celullose produzir eletricidade (Foto: Eldorado/Divulgação)

A IBÁ também destaca que )esse processo de gaseificação vem crescendo no setor, possibilitando que unidades deixem de usar combustíveis fósseis nos fornos de cal, o que amplia ainda mais o escopo de eficiência energética e reforça o caráter renovável da produção.

Eldorado e inovação verde

A Eldorado Brasil, uma das empresas de celulose que já opera no estado, ganhou reconhecimento global por sua excelência operacional e seu compromisso com a sustentabilidade, comprovados por certificações e diversas premiações. Em operação desde 2012, a companhia produz atualmente 1,8 milhão de toneladas de celulose por ano e, para atender essa demanda por matéria-prima, mantém base florestal em 11 municípios sul-mato-grossenses, totalizando 296 mil hectares de florestas plantadas. As áreas destinadas à conservação ambiental somam mais de 101 mil hectares.

Indústia de celulose Eldorado Brasil, em Três Lagoas (Foto: Silas Ismael/Divulgação).

A política ambiental da empresa já gerou resultados expressivos. Desde o início das operações, mais de 44 milhões de toneladas de CO₂ foram removidas da atmosfera, número 12 vezes superior ao total emitido pelas operações próprias da companhia. Além de manter pegada negativa de carbono, a empresa opera com 94% de suas áreas certificadas por padrões ambientais internacionais.

No complexo industrial da Eldorado, em Três Lagoas, a sustentabilidade é parte essencial da engenharia. A planta é autossuficiente em energia elétrica e opera com sistemas inovadores, como uma mini-hidrelétrica que gera eletricidade a partir de efluentes tratados. Outro destaque é a Usina Termelétrica Onça Pintada (UTOP), que transforma resíduos do processo de fabricação da celulose, como galhos e tocos, em energia renovável suficiente para abastecer uma cidade de 700 mil habitantes. Combinadas, as iniciativas do complexo poderiam suprir a demanda energética de uma cidade com 2,1 milhões de habitantes.

Usina Termelétrica Onça Pintada (UTOP), que transforma resíduos do processo de fabricação da celulose, como galhos e tocos, em energia renovável (Foto: Silas Ismael/Arquivo Pessoal).

A busca por eficiência energética também se estende à logística. A frota própria da companhia possui idade média de dois anos e passa por um processo de migração da tecnologia Euro 5 para Euro 6, reduzindo em até 80% a emissão de óxidos de nitrogênio e em 50% a de material particulado. Já a frota terceirizada passa por rigorosa inspeção conforme a norma NBR 14040 da ABNT, com testes de frenagem, aceleração e simulações de manobras extremas.

Esse trabalho focado na sustentabilidade tem garantido à empresa uma série de prêmios e reconhecimentos, entre eles: presença na lista Forbes Agro100, entre as maiores do agronegócio brasileiro; Destaques do Setor (ABTCP), por inovação e segurança; Excelência em Gestão de Pessoas (FGV e revista Gestão RH); Outstanding Achievement in Collective Action, na Suíça, por sua atuação no combate à corrupção; Selo Mais Integridade (MAPA), pelo compromisso ético e socioambiental; Top 100 Open Corps, como uma das corporações que mais investem em inovação aberta; e Prêmio Ipê Amarelo (CREA-MS), pelo projeto sobre os serviços ecossistêmicos das florestas plantadas.

Projetos como o ELDSAT ONE, em parceria com a SpaceX, promovem conectividade de alta velocidade nas áreas florestais da empresa (Foto: Silas Ismael/Arquivo Pessoal).

Além disso, projetos como o ELDSAT ONE, em parceria com a SpaceX, para promover conectividade de alta velocidade nas áreas florestais da empresa, também demonstram como a inovação tecnológica caminha lado a lado com a sustentabilidade ambiental.

Operação sustentável da Suzano

Assim como a Eldorado, a Suzano integra o grupo de empresas que consolidaram o protagonismo do setor de celulose no estado. Com três linhas de produção em funcionamento, a companhia afirma adotar as melhores práticas de inovação e sustentabilidade para desenvolver produtos e soluções a partir de matéria-prima renovável. Para atender sua demanda, administra 1,136 milhão de hectares de florestas plantadas em Mato Grosso do Sul, dos quais 327 mil hectares são destinados à conservação da biodiversidade.

Suzano tem três linhas de produção de celulose em Mato Grosso do Sul, sendo a de Ribas do Rio Pardo, na foto, inaugurada no ano passado (Foto: Suzano/Divulgação).

Nas unidades industriais de Três Lagoas e Ribas do Rio Pardo, a empresa opera com autossuficiência energética e capacidade de gerar excedente suficiente para abastecer cidades inteiras. Juntas, as plantas produzem energia limpa equivalente ao consumo de 4,2 milhões de pessoas. A matriz energética é baseada na biomassa, especialmente na lignina (licor preto) e nas cascas de eucalipto, que alimentam turbinas a vapor.

Na unidade de Ribas do Rio Pardo, a Suzano também produz gás de biomassa, ácido sulfúrico e peróxido de hidrogênio, o que reduz a necessidade de insumos externos e o uso de combustíveis fósseis.A empresa destaca ainda mudanças na logística. Atualmente, 50% do transporte florestal é realizado por hexatrens (composições com seis carretas), reduzindo emissões de CO₂. O escoamento da produção combina modais rodoviário e ferroviário, com dois terminais: um em Aparecida do Taboado e outro recém-inaugurado em Inocência.

Para atender sua demanda, a Suzano administra 1,136 milhão de hectares de florestas plantadas em Mato Grosso do Sul (Foto: Suzano/Divulgação).

A eficiência hídrica é outro pilar das operações. Nas fábricas de Ribas do Rio Pardo e Três Lagoas, 85% da água captada é devolvida à natureza após tratamento, sob rigoroso controle de qualidade. A Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) utiliza etapas como aeração e separação de sólidos. Já a ETAC (Estação de Tratamento de Água de Caldeiras) fornece água desmineralizada para as caldeiras, aumentando a eficiência do sistema.

Os resíduos industriais também são reaproveitados. A Central de Tratamento da fábrica de Ribas tem capacidade para produzir 6 mil toneladas de corretivos de solo, reutilizando cinzas da biomassa. Em Três Lagoas, 40% dos resíduos são transformados em fertilizantes e substratos. Outra inovação é o uso de fibras de celulose para produzir colares protetores de mudas de eucalipto, solução biodegradável e patenteada pela empresa, que reduz a evaporação da água e os efeitos das altas temperaturas.

Nas unidades industriais de Três Lagoas e Ribas do Rio Pardo, a empresa opera com autossuficiência energética e capacidade de gerar excedente suficiente para abastecer cidades inteiras (Foto: Suzano/Divulgação).

Em paralelo às operações industriais, a Suzano mantém iniciativas socioambientais. Desde 2007, o Programa de Educação Ambiental (PEA) leva temas relacionados à sustentabilidade para escolas da rede pública de Mato Grosso do Sul. A empresa também apoia ações de coleta seletiva em Três Lagoas e Brasilândia, em parceria com a Cooperativa Arara Azul e a Assobraa.

Bioenergia

Assim como o setor de celulose, com suas florestas plantadas, o segmento de bioenergia, baseado no cultivo de cana-de-açúcar e milho e na produção de etanol, biocombustível que substitui a gasolina, tem sido um dos pilares para que o estado alcance a neutralidade de carbono até 2030. De acordo com o presidente da Associação de Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul (Biosul), Amaury Pekelman, o setor alia sustentabilidade, competitividade econômica e impacto social positivo, posicionando Mato Grosso do Sul como líder nacional e internacional na transição energética.

Etanol Made in MS, produzido por usinas como essa da foto, evitou a emissão de 13,7 milhões de toneladas de CO₂, segundo a Biosul (Foto: Anderson Viegas/Made in MS).

Do ponto de vista ambiental, Pekelman destaca que “o etanol produzido em Mato Grosso do Sul já evitou a emissão de 13,7 milhões de toneladas de CO₂, consolidando-se como um combustível limpo e essencial para a descarbonização da matriz de transportes”. Ele também lembra que a bioeletricidade gerada a partir dos resíduos da cana e do milho foi suficiente para abastecer todos os domicílios do estado por um ano inteiro, reforçando a segurança energética e a diversificação da matriz elétrica nacional.

A bioenergia também atua como aliada na gestão de resíduos. Pekelman explica que o setor “transforma subprodutos como vinhaça, torta de filtro, palha e bagaço em insumos agrícolas, bioeletricidade e biocombustíveis”, prática que reduz passivos ambientais e elimina destinação inadequada. Essa abordagem está alinhada à Política Nacional de Resíduos Sólidos e ao Plano Estadual de Resíduos Sólidos, antecipando metas públicas e criando novas cadeias de valor.

Presidente da Associação de Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul (Biosul), Amaury Pekelman (Foto: Biosul/Divulgação).

Na dimensão social, o setor gera 33 mil empregos diretos e movimenta mais de R$ 1,3 bilhão em massa salarial, com impactos positivos em 42 municípios. Segundo Pekelman, esses resultados são reforçados “pela qualificação da mão de obra e por políticas de inclusão, que consolidam um ambiente de trabalho alinhado à agenda ESG”.

Outro avanço relevante é o uso do biometano. “Essa fonte energética surge como uma alternativa competitiva ao diesel, com potencial de reduzir as emissões em até oito vezes em frotas adaptadas. É um vetor estratégico de mobilidade sustentável”, pontua o presidente da Biosul. Toda essa expansão ocorre sem desmatamento, com uso exclusivo de áreas já antropizadas, reforçando o compromisso do setor com a conservação ambiental.

Economicamente, a bioenergia representa 17% do PIB industrial de Mato Grosso do Sul, com 22 usinas em operação. Nos últimos cinco anos, tanto as plantas já consolidadas quanto os novos empreendimentos ampliaram eficiência, inovação e sustentabilidade. Para Pekelman, “mais do que atender à meta MS Carbono Neutro 2030, o setor mostra que é possível construir um modelo de desenvolvimento sustentável, inclusivo e competitivo, capaz de liderar a transição energética e gerar valor para toda a sociedade”.

Veículos sendo abastecidos com biometano já são uma realidade em usinas de Mato Grosso do Sul (Foto: Anderson Viegas/Made in MS).

Santa Helena e o carbono negativo

Uma das pioneiras na produção de bioenergia em Mato Grosso do Sul, a Energética Santa Helena, localizada em Nova Andradina, tornou-se uma das primeiras indústrias do estado e do setor sucroenergético a conquistar o selo Carbon Control, certificação ambiental mencionada pelo secretário-adjunto da Semadesc, Arthur Falcette, e concedida pelo governo estadual a empresas que removem da atmosfera mais carbono do que emitem.

Usina Energética Santa Helena, em Nova Andradina (Foto: ESH/Divulgação).

A conquista, formalizada no dia 6 de maio de 2025, reconhece o saldo ambiental positivo da usina, que emitiu 106.644,09 toneladas de CO₂ equivalente (tCO₂e), mas conseguiu remover 215.955,21 tCO₂e, resultando em um balanço carbono negativo de -109.311,12 tCO₂e — ou seja, mais que o dobro de remoção em relação às emissões.

Fertirrigação com vinhaça em canavial da Santa Helena (Foto: ESH/Divulgação).

“Esse inventário considerou diversos aspectos, inclusive o carbono retido no solo”, explica José Leôncio de Oliveira, chefe do Departamento de Segurança e Meio Ambiente da Santa Helena. “O cálculo foi feito a partir da matéria orgânica, usando metodologia da Embrapa. É um trabalho que passou a ser mensurado com mais clareza a partir da implantação de diretrizes ambientais mais rigorosas no estado.”

A Santa Helena vem modernizando práticas agrícolas e ampliando o uso de fertilizantes biológicos e orgânicos, que já cobrem 30% da área plantada, reduzindo o impacto dos fertilizantes químicos. Outro diferencial da usina é o investimento em educação ambiental, com ações que envolvem funcionários, terceirizados e comunidades do entorno.

“O selo Carbon Control reforça o compromisso da Santa Helena em produzir com responsabilidade, gerando valor para a sociedade e fortalecendo a integração com a comunidade local”, afirma José. Segundo ele, a empresa estuda incluir créditos de carbono e CBIOs do RenovaBio como novas fontes de receita, transformando boas práticas ambientais em ativos financeiros.

Certificação Carbon Control, da Santa Helena (Foto: Divulgação).

Agropecuária

Outro setor estratégico da economia do estado e que também desponta como protagonista na transição rumo à neutralidade de emissões é a agropecuária. O avanço ocorre por meio do uso de novas tecnologias, boas práticas já consolidadas, estratégias regenerativas e apoio técnico estruturado ao produtor. Segundo a consultora técnica da Famasul, Ana Beatriz, o agro sul-mato-grossense já está “entregando resultados concretos” e tem papel estratégico no sucesso do programa MS Carbono Neutro.

De acordo com ela, o estado já vive uma “realidade de agricultura de baixo carbono”, com resultados expressivos em diversas frentes. “Mato Grosso do Sul lidera nacionalmente em área com integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), ultrapassando 3 milhões de hectares. Também avançamos na recuperação de pastagens degradadas, uso de bioinsumos, plantio direto, irrigação eficiente e fixação biológica de nitrogênio”, destaca.

Plantio de soja direto na palha da cultura anterior (Foto: Gabriel Rezende Faria/Embrapa Agrossilvipastoril).

Essas tecnologias estão integradas ao Plano ABC+ e já fazem parte do cotidiano de muitas propriedades rurais. “Além disso, 35% do território estadual está sob conservação de vegetação nativa dentro de propriedades privadas, segundo o Cadastro Ambiental Rural”, completa a consultora.

Para a Famasul, as práticas sustentáveis têm sido adotadas de forma consistente pelos produtores. “Não se trata apenas de cumprir exigências legais, mas de uma convergência natural entre racionalidade econômica e boas práticas ambientais. Produzir mais com menos impacto é o que move o campo”, afirma Ana Beatriz.Ela aponta como fatores de reforço a demanda dos mercados, exigências por rastreabilidade, acesso ao crédito rural e o fortalecimento do conceito ESG. “Mas ainda é necessário ampliar o reconhecimento público e institucional dos benefícios ambientais já gerados pelo campo”, observa.

O Sistema Famasul, por meio do Senar/MS, tem apoiado diretamente os produtores nessa jornada. Entre as iniciativas de destaque estão:

• Projeto Carbono ATeG — iniciado com 30 propriedades rurais, que passaram a mensurar suas emissões de GEE com base técnica, criando uma referência para ações personalizadas de mitigação.

• Campanha “Movido pelo Agro – Etanol”, em parceria com a Biosul — incentivou o uso de etanol como combustível limpo, evitando a emissão de mais de 90 toneladas de CO₂ com o consumo de 91 mil litros.

Consultora técnica da Famasul, Ana Beatriz (Foto: Redes Sociais).

“São ações que combinam educação técnica, monitoramento ambiental e incentivo prático, permitindo que o agro avance de forma estruturada e segura rumo a uma economia de baixo carbono”, afirma Ana Beatriz.A participação da agropecuária no programa MS Carbono Neutro está em sintonia com a agenda global. “Durante a COP28, a agricultura foi reconhecida como um vetor estratégico no enfrentamento das mudanças climáticas”, lembra a consultora. “O setor é essencial para que Mato Grosso do Sul cumpra suas metas até 2030.”

Contudo, ela alerta para a necessidade de previsibilidade e instrumentos econômicos compatíveis com o esforço do campo. “O agro já está entregando, mas é preciso avançar na valorização, no acesso a políticas como o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e na segurança jurídica para que mais produtores possam aderir às tecnologias de baixa emissão com confiança.”

Desmistificando a pecuária

A pecuária é uma das principais cadeias econômicas do agro e da economia de Mato Grosso do Sul como um todo. O estado tem o quinto maior rebanho do Brasil, com 18,7 milhões de cabeças, conforme a Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM 2024), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A atividade, que já foi apontada como uma das vilãs nas emissões de gases de efeito estufa (GEEs), também faz parte da solução para conter o aquecimento global.

Mato Grosso do Sul tem o quinto maior rebanho bovino do país, com mais de 18 milhões de animais (Foto: Freepik).

Para o professor Daniel Vargas, das Escolas de Economia e Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), doutor e mestre pela Universidade de Harvard, com passagens por Cambridge e Bonn e ex-secretário de Desenvolvimento Sustentável da Presidência da República, é preciso desconstruir a narrativa que coloca a pecuária brasileira como vilã climática por conta das emissões de metano na digestão dos bovinos, ignorando as características únicas do modelo tropical do país.

“A pecuária brasileira opera majoritariamente em sistemas a pasto, sob clima tropical, o que permite múltiplos ciclos forrageiros ao ano, alta capacidade fotossintética e ganhos de produtividade sem dependência de grãos importados. Essa base biológica, somada à evolução de genética adaptada, manejo de pastagens e integração entre lavoura, pecuária e floresta (ILPF), gera um sistema que produz proteína animal de baixo custo, com capacidade de sequestrar carbono no solo, algo estruturalmente diferente do confinamento intensivo de países temperados”, explica.

Professor Daniel Vargas, das Escolas de Economia e Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) (Foto: Daniel Vargas/Arquivo Pessoal).

Segundo Vargas, a intensificação sustentável é a chave para a mitigação das emissões. “Recuperação de pastagens degradadas, nutrição e aditivos para reduzir fermentação e metano entérico, genética voltada à precocidade e maior eficiência alimentar, além da integração lavoura-pecuária, são tecnologias que elevam a produtividade e derrubam as emissões por quilo de carne ao ‘fazer mais com menos’”, detalha. Ele também destaca frentes inovadoras, como dietas otimizadas com taninos, óleos essenciais e algas, capazes de reduzir em até 20% as emissões de metano, além da seleção genética para encurtar o ciclo produtivo e da melhoria da gestão ambiental das fazendas.

Para ele, essa combinação pode transformar a pecuária em solução climática. “O metano tem vida curta na atmosfera. Com eficiência crescente, abatendo animais mais jovens, com ciclos mais curtos, reduzimos sua presença e produzimos um efeito líquido de resfriamento, desde que as emissões permaneçam estáveis ou em queda. Somando-se a isso o sequestro de carbono pelas pastagens tropicais bem manejadas, o balanço climático líquido tende à neutralidade ou até a valores negativos”, afirma.

Vargas enfatiza ainda que as pastagens brasileiras prestam um serviço ambiental frequentemente ignorado. “Pastagens manejadas corretamente podem fixar de 1,5 a 3 toneladas de carbono por hectare ao ano, um valor que não aparece nos inventários globais baseados em padrões temperados”, ressalta. Na avaliação do professor, esse potencial redefine a equação climática da carne brasileira e deveria ser precificado no comércio internacional. Ele cita estudos de pesquisadores como Myles Allen (Oxford) e Frank Mitloehner (UC Davis), que questionam o uso da métrica GWP100 para o metano bovino.

“Novas abordagens mostram que sistemas estáveis ou em queda de metano não aumentam o estoque global de carbono e, portanto, não aquecem o planeta. No Brasil, já reduzimos mais de 40% das emissões por quilo de carne nos últimos 30 anos. Os sistemas tropicais extensivos eficientes são, na verdade, verdadeiros filtros atmosféricos”, conclui.

Fazenda exemplo de sustentabilidade

Um exemplo concreto de como a agropecuária de Mato Grosso do Sul está engajada no desenvolvimento sustentável e, por consequência, na redução de emissões e na neutralidade de carbono, é a Estância Colorada, localizada no município de Jateí. A propriedade foi reconhecida como uma das três fazendas mais sustentáveis do Brasil na categoria médio porte pelo Prêmio Fazenda Sustentável, da revista Globo Rural.

Com práticas que integram produção diversificada, bem-estar animal, responsabilidade social e conservação ambiental, a Estância Colorada superou 114 propriedades de 20 estados e seis biomas para alcançar o pódio da premiação nacional. A fazenda conquistou o 3º lugar na categoria médias propriedades e ficou entre as 15 mais sustentáveis do Brasil.

Celso Phillippi Junior, proprietário da Estância Colorada (Foto: Celso Phillippi Junior/Arquivo Pessoal).

“Esse prêmio é um reconhecimento de um trabalho feito com responsabilidade e respeito, tanto com o meio ambiente quanto com as pessoas que fazem parte da nossa história. Acreditamos que é possível produzir mais, de forma eficiente, valorizando os recursos naturais”, afirmou Celso Phillippi Junior, proprietário da Estância Colorada.

Com 270 hectares, sendo 204 destinados à produção e 66 à preservação, a fazenda alia pecuária bovina em pastagem rotacionada, piscicultura com espécies nativas e uma suinocultura considerada referência nacional em responsabilidade ambiental.

A produção de suínos da Estância Colorada segue as diretrizes do Programa Leitão Vida, política pública da Semadesc que promove uma suinocultura mais sustentável em Mato Grosso do Sul. A propriedade também participa do Programa Asumas de Sustentabilidade (PAS), sendo avaliada com base em critérios como uso racional de água e energia, gestão de resíduos, saúde e bem-estar animal e impacto social.

Além dos bons resultados produtivos, o diferencial da Estância Colorada está no modelo agroecológico e tecnificado, que incorpora conceitos de resiliência climática, economia circular e conservação da biodiversidade. A fazenda foi avaliada por um corpo técnico especializado do Rabobank e do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), que a reconheceu como exemplo de gestão equilibrada entre produção e meio ambiente.

Comércio

Assim como a indústria, a celulose, a bioenergia e a agropecuária já avançaram na agenda climática, o setor de comércio, serviços e turismo também incorporou o compromisso com a neutralidade de carbono. A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Mato Grosso do Sul (Fecomércio MS) reconhece a meta como uma ação imprescindível para garantir o desenvolvimento sustentável e a competitividade do setor.

De acordo com a entidade, a sustentabilidade é uma prioridade estratégica e já se traduz em ações concretas, como a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) mantida pelo Sesc em Bonito, que contribui para a preservação ambiental e o sequestro de carbono. Além disso, práticas como o uso de combustíveis renováveis na frota e nas viagens corporativas já fazem parte da rotina institucional, aliando inovação e redução de emissões.

Comércio do centro de Campo Grande (Foto: CDL/CG – Divulgação).

Por meio do Programa Ecos, uma iniciativa conjunta com o Sesc e o Senac, a Federação incentiva seus associados a adotar práticas sustentáveis e de descarbonização. O programa promove ações socioambientais, como rodas de conversa, seminários e palestras, incluindo a recente “Roda de Conversa ESG”, que trouxe experiências de sucesso na neutralização de carbono. “A ideia é sensibilizar e mobilizar tanto a sociedade quanto os empresários para a agenda climática, mostrando que sustentabilidade e inovação caminham juntas”, aponta a instituição.

A Fecomércio MS destaca que empresas do setor vêm adotando medidas práticas, como a instalação de energia fotovoltaica, o reuso da água da chuva, a separação e destinação de resíduos recicláveis, além de iniciativas de eficiência energética e redução de desperdícios. No fortalecimento de cadeias sustentáveis, há incentivo à compra de alimentos de pequenos produtores para eventos e restaurantes, o que reduz as emissões com transporte e estimula a economia regional.

A entidade reconhece que, embora ainda de forma incipiente, cresce o número de empresas do comércio que buscam parcerias com projetos de reflorestamento, manutenção de áreas protegidas e, em alguns casos, participação em programas de créditos de carbono, sobretudo entre empresas de maior porte ou inseridas em cadeias globais. “A manutenção da RPPN do Sesc é um exemplo de contribuição direta, e estamos atentos à evolução do mercado voluntário de carbono no Brasil”, ressalta a Fecomércio MS.

Entre os desafios estão o alto custo inicial de novas tecnologias, a falta de capacitação específica e o acesso restrito a linhas de financiamento. Além disso, empresas de pequeno porte encontram mais dificuldade na implementação de práticas sustentáveis e na mensuração de seus resultados ambientais. Por outro lado, os benefícios percebidos incluem redução de custos operacionais, melhoria da imagem institucional, acesso a novos mercados, fidelização de clientes e retenção de talentos.

A federação também acompanha políticas públicas e defende incentivos como linhas de crédito a juros baixos, isenção fiscal para tecnologias verdes e políticas de apoio técnico e formação. No plano legislativo, monitora o Projeto de Lei nº 11.438/2024, que trata do Plano Municipal de Mudanças Climáticas de Campo Grande, e, em nível federal, o Projeto de Lei nº 1.874/2022, que propõe a Política Nacional de Economia Circular.

A Fecomércio MS acredita que a transição para uma economia de baixo carbono passa pela educação ambiental, pelo fortalecimento da economia local e pelo alinhamento das empresas às novas exigências do mercado e da sociedade.

Shopping Campo Grande e a sustentabilidade

Dentro do setor de comércio e serviços, o Shopping Campo Grande tem intensificado, nos últimos anos, sua atuação voltada à sustentabilidade, com ações que contribuem diretamente para que Mato Grosso do Sul atinja a meta de se tornar carbono neutro até 2030. A avaliação é do gerente de operações do empreendimento, Wilson de Oliveira Lobo Severo, que destaca o compromisso contínuo do shopping com a agenda ambiental, social e de governança.

Shopping Campo Grande (Foto: ALLOS/Divulgação).

“Na nossa empresa, sustentabilidade não é apenas uma meta, é parte do nosso DNA. Há anos adotamos práticas conscientes de economia de água e energia, além de iniciativas sólidas de reciclagem que fazem a diferença no dia a dia”, afirma Severo. Segundo ele, nos últimos dois anos, os investimentos em gestão de resíduos foram intensificados, resultando em ganhos ambientais expressivos.

Em 2025, o shopping atingiu mais de 80% de reaproveitamento de resíduos por meio de reciclagem e compostagem. A meta é alcançar 90% até 2026. “Reduzimos o consumo de energia elétrica em 7,8% em relação a 2024 e o de água em 5,3%. Isso reforça que estamos no caminho certo, mas sabemos que a sustentabilidade é um processo contínuo”, pontua o gerente

Trabalho de reciclagem, no Shopping Campo Grande (Foto: Divulgação).

Entre as iniciativas mantidas de forma permanente estão o uso inteligente da iluminação natural, sistemas de controle e monitoramento para o uso consciente da água e uma gestão estruturada de resíduos, com coleta seletiva e ações educativas. “Essas práticas refletem o compromisso do shopping com a eficiência ambiental e com a promoção de uma cultura sustentável entre colaboradores, lojistas e clientes”, completa.

Segundo Severo, o engajamento da comunidade é parte essencial da estratégia. “Integrar lojistas e clientes nas ações sustentáveis acontece por meio de comunicação constante, treinamentos periódicos e campanhas educativas. Temos sinalizações informativas e pontos de coleta acessíveis, que incentivam a participação ativa de todos”, explica.

Além dos benefícios ambientais, como a redução no consumo de recursos e a destinação correta dos resíduos, as ações também têm impacto social positivo. “Promovemos o engajamento por meio de treinamentos e campanhas. Isso fortalece a cultura de responsabilidade ambiental. O resultado é uma operação mais eficiente e consciente”, avalia

.A atuação está alinhada à agenda estadual. “As ações sustentáveis do shopping contribuem diretamente para a meta do governo de Mato Grosso do Sul de tornar o estado carbono neutro até 2030. Com foco na redução do uso de água e energia e na reciclagem de 90% dos resíduos, o shopping atua alinhado à agenda da ALLOS [grupo proprietário do centro comercial]”, conclui.

Sebrae/MS e os pequenos negócios na transição climática

Após avanços no comércio varejista e em grandes empreendimentos, como o Shopping Campo Grande, o protagonismo da sustentabilidade também se estende aos pequenos negócios. Com mais de 312 mil empreendimentos de micro e pequeno porte em Mato Grosso do Sul, o Sebrae/MS tem atuado de forma estratégica para alinhar o desenvolvimento econômico local à agenda ambiental e à meta estadual de carbono neutro até 2030. A instituição promove ações que incentivam tanto empresários quanto gestores públicos a adotar práticas mais sustentáveis, ampliando o impacto das iniciativas em todo o território sul-mato-grossense.

Segundo o Sebrae/MS, o apoio aos pequenos negócios ocorre por meio de consultorias que vão além da orientação tradicional. Um exemplo é a consultoria ESG voltada para micro e pequenas empresas, que oferece diagnóstico de práticas ambientais, sociais e de governança, além da construção de um plano de ação personalizado. “Ao final, os participantes podem optar pela compra de créditos de carbono por meio da Ororo, que conecta os empreendedores à Bolsa de Carbono certificada pela Verra”, informa a instituição. Em Bonito, 40 empreendedores já foram atendidos com essa solução.

Sede do Sebrae/MS em Campo Grande (Foto: Sebrae/MS – Divulgação).

No campo, pequenos produtores rurais também foram beneficiados com o projeto piloto de inventário de gases de efeito estufa, implantado em 2024. Utilizando o Protocolo GHG e metodologia própria do Polo de Agronegócios, a ação mediu o balanço de carbono em fazendas do Pantanal e de Bonito, apontando se a propriedade emite ou captura mais carbono. “Esse levantamento permite que os produtores façam ajustes nas práticas e até ingressem no mercado de carbono”, destaca o Sebrae/MS.

A atuação da entidade também se estende ao apoio direto aos municípios, com o Roadmap Território Carbono Neutro, ferramenta desenvolvida para orientar gestões públicas na formulação de políticas ambientais locais. A metodologia já foi aplicada em 42 municípios, o que representa mais da metade do estado, e será expandida aos demais em 2025. “O diagnóstico revelou que 62% das cidades analisadas têm alto potencial de transformação. Já a governança é considerada positiva em 47% dos municípios”, aponta o levantamento do Sebrae/MS.

A ferramenta contempla seis eixos de análise: mudanças climáticas, gestão territorial, capacidade administrativa e financeira, governança e ambiente de negócios. A partir desses dados, são elaborados planos de ação personalizados, e uma plataforma digital conecta os municípios a oportunidades de financiamento climático. A metodologia tem sido reconhecida internacionalmente, com apresentações na COP 28 e COP 29 da ONU, no King’s Brazil Institute, em Londres, e no Smart City Expo World Congress, em Barcelona.

Além disso, o Sebrae/MS estimula a inovação em negócios com impacto ambiental positivo. “Mais do que apoiar empresas na adoção de boas práticas, buscamos fortalecer negócios que já nascem sustentáveis, promovendo soluções criativas com valor ambiental agregado”, ressalta a instituição.

Turismo

Além da indústria, da bioenergia, do agro e do comércio, o turismo também assumiu um papel estratégico na agenda climática de Mato Grosso do Sul, com ações que avançam da esfera institucional aos empreendimentos locais.

Gruta do Lago Azul, em Bonito, um dos atrativos emblemáticos da cidade e do estado (Foto: Anderson Viegas/Made in MS).

A Fundação de Turismo de Mato Grosso do Sul (Fundtur-MS) incorporou a agenda climática à sua atuação, assumindo a meta de tornar o estado neutro em carbono até 2030 como parte integrante de sua política de desenvolvimento. Segundo o diretor-presidente da instituição, Bruno Wendling, essa transição se dá de maneira estruturada e alinhada com os compromissos globais da ONU Turismo.

“O turismo é uma atividade econômica que pode, e deve, contribuir com a neutralidade de emissões. Desde 2022, assumimos esse compromisso institucionalmente, com a adesão à Declaração de Glasgow, e seguimos trabalhando para implementar ações concretas junto ao trade turístico.”Entre essas ações estão a inserção de critérios de sustentabilidade na classificação dos municípios turísticos, o apoio à certificação Lixo Zero de hotéis e atrativos, e a orientação para o inventário de emissões de gases de efeito estufa (GEE) de empreendimentos do setor. A Fundação também promove capacitações e workshops sobre ação climática no turismo, como forma de engajar os profissionais e empresários do segmento nas novas exigências ambientais do mercado.

Diretor-presidente da Fundtur, Bruno Wendling (Foto: Bruno Wendling/Arquivo Pessoal).

Bruno Wendling destaca que o estado conta com a primeira assessoria institucional de Sustentabilidade e Ação Climática no Turismo em nível estadual, o que fortalece a estruturação da agenda e permite liderar pelo exemplo:“Já realizamos a compensação das emissões de GEE da Fundtur em eventos nacionais por meio da compra de créditos de carbono dos projetos de restauração do Instituto do Homem Pantaneiro, na Serra do Amolar. Isso nos permite participar de forma responsável das principais feiras e eventos do setor no Brasil.”

Além da própria atuação institucional, a Fundtur tem incentivado ações práticas entre os destinos turísticos, como projetos de eficiência energética, gerenciamento de resíduos sólidos e adoção de práticas ESG. Bonito, por exemplo, foi reconhecido pela Green Initiative, certificação validada pela ONU Turismo, como o primeiro destino de ecoturismo carbono neutro do mundo.“O inventário de emissões de Bonito nos permitiu entender onde estão os principais impactos e começar a orientar ações de descarbonização. Isso nos ajuda a construir estratégias locais de adaptação e mitigação que reverberam positivamente em toda a cadeia turística”, afirma Wendling.

Em relação à mobilidade, há estímulo ao uso de biocombustíveis e aumento da cota de etanol no consumo dos veículos da Fundtur. No apoio à conservação e biodiversidade, a fundação promove o uso público de unidades de conservação (UCs) e RPPNs, fomenta pesquisas com fauna silvestre e apoia projetos de restauração florestal ligados à compensação das emissões da própria instituição.

Wendling reconhece que os principais desafios são culturais e estruturais, mas ressalta que os benefícios percebidos pelos destinos e empreendimentos já engajados são expressivos.“Além da redução de custos, há uma melhora significativa na imagem institucional, maior competitividade e diferenciação no mercado. Em Bonito, mais de 90% dos resíduos já são desviados do aterro, o que é um ganho ambiental e estratégico para o turismo.”

Entre os instrumentos que podem acelerar essa transição, ele cita incentivos fiscais, apoio técnico, investimentos em mobilidade sustentável e políticas públicas que valorizem projetos de economia circular, conservação e reflorestamento. Inclusive, no âmbito do programa de descentralização de recursos da Fundtur, já há exigência de medidas de gerenciamento de resíduos e compensação de emissões para eventos que captam recursos da instituição.

A Fundação ainda destaca exemplos de empreendimentos turísticos alinhados com essa agenda, como os hotéis Zagaia e Paraíso das Águas, atrativos certificados como Estância Mimosa e Rio da Prata, e os parques Rio Formoso e Estrela do Formoso, todos com certificações ambientais robustas.

Para o futuro, Wendling reforça a urgência do tema e a responsabilidade do poder público local:“A crise climática já está impactando os destinos turísticos. Precisamos internalizar essa agenda em todas as camadas da gestão pública. Os governos locais têm papel fundamental em articular soluções com os setores e com a sociedade. Não é mais uma escolha: é uma necessidade urgente para garantir a viabilidade dos destinos no médio e longo prazo.”

Estrela do Formoso: exemplo de inovação ambiental

Com iniciativas que unem inovação, ecologia e sofisticação, o Estrela do Formoso, um dos atrativos mais prestigiados de Bonito, deu mais um passo em direção à sustentabilidade com a implantação de sua própria estação de tratamento de esgoto. A medida reforça o compromisso ambiental do empreendimento com a preservação do rio Formoso, cartão-postal do ecoturismo sul-mato-grossense.

A estrutura utiliza dois sistemas reconhecidos por sua eficiência e baixo impacto ambiental: o TEVAP (Tanque de Evapotranspiração) e os Wetlands (sistemas de zonas úmidas construídas). Ambos aproveitam mecanismos naturais para tratar as chamadas águas cinzas e negras, oriundas de banheiros, lavanderias e cozinhas, transformando o que seria resíduo em insumo para o meio ambiente.

Atrativo Estrela do Formoso, em Bonito (Foto: Estrela do Formoso/Divulgação).

“Estamos sempre buscando formas de preservar o nosso meio ambiente. Geramos a própria energia solar, temos certificação Lixo Zero, participamos do PSA (Pagamento por Serviços Ambientais) e abrigamos o maior guaviral de Bonito. Agora, avançamos significativamente com o cuidado das águas residuais”, explica Lucas Alves Ferreira, sócio-proprietário do atrativo e presidente do Conselho Municipal de Turismo (Comtur).

Lucas Alves Ferreira, sócio-proprietário do atrativo e presidente do Conselho Municipal de Turismo (Comtur) e a arquiteta urbanista Nayane Andrade (Foto: Divulgação).

A arquiteta urbanista Nayane Andrade, responsável pelo projeto e especialista em construção sustentável, destaca que os dois sistemas juntos garantem mais de 90% de eficiência na qualidade da água tratada, que pode ser reutilizada em jardins e na limpeza de áreas comuns. Para ela, aplicar soluções ancestrais com inovação é um sinal de respeito e inteligência ambiental.“O Estrela do Formoso é um exemplo vivo de que quando há consciência e amor pela natureza, a transformação acontece. A natureza nos oferece soluções eficazes e, quando aplicadas com sabedoria, não apenas evitam a poluição, mas também fortalecem a vida”, afirma Nayane.

O avanço da neutralidade de carbono em Mato Grosso do Sul revela que o tema deixou de ser uma pauta governamental para se tornar um compromisso da sociedade. Indústria, turismo, bioenergia, agropecuária, comércio e pequenos negócios têm adotado práticas sustentáveis não por imposição, mas pela compreensão de que desenvolvimento e futuro dependem do equilíbrio ambiental. Esse movimento espontâneo e multissetorial resulta em um esforço conjunto que alinha diferentes atores em torno de um mesmo propósito: tornar o estado mais competitivo, sustentável e socialmente responsável.

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