19/09/2025 16:18

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A nova economia da conservação: como o Pantanal ensina a valorizar a natureza com o conhecimento do pantaneiro*

Pantanal de MS (Foto: André Bittar/Arquivo Pessoal)

Enquanto a Amazônia domina as manchetes sobre desmatamento, o Pantanal, a maior área úmida contínua do planeta, emerge como um modelo surpreendente de como a pecuária tradicional pantaneira, sendo a principal atividade econômica do bioma, pode contribuir para a conservação. Este bioma não apenas tem 85% de sua vegetação nativa conservada, mas também abriga milhões de hectares de áreas privadas com excedente de vegetação preservada, muito além do que a lei exige. Essa contribuição, mantida há séculos pela pecuária tradicional extensiva, levanta uma pergunta: e se, em vez de apenas obrigar a conservação, o governo passasse a remunerar aqueles que prestam um serviço ambiental para a sociedade?

“O conhecimento ancestral do pecuarista pantaneiro é a base para a conservação do Pantanal. Por isso, nossa pesquisa busca não apenas apoiar as políticas públicas, mas também integrar esse conhecimento empírico em um modelo científico, mostrando que o Pantanal já nos ensina como a pecuária pantaneira e a natureza vivem em harmonia. É um trabalho que valoriza o modo de vida do pantaneiro, transformando seu saber em uma solução de conservação que é ao mesmo tempo tradicional e cientificamente validada.”

É nesse ponto que a pesquisa do mestrando Heitor LiebanaVerjas, orientado pelo Prof. Dr. João Borges (especialista em análise de comportamento e tomada de decisões) no programa de Pós-Graduação em Agronegócio e Sustentabilidade da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), se torna um apoio às políticas públicas. O estudo não é apenas um trabalho acadêmico; é um estudo científico que visa apoiar a continuidade dos programas de PSA. Ao investigar a disposição em aceitar pagamentos por serviços ambientais dos pecuaristas, a pesquisa mostra que a solução para a conservação pode ser menos sobre proibir e mais sobre incentivar aqueles que prestam um serviço ambiental para a sociedade, em conjunto com um método que parte da valorização do conhecimento pantaneiro.

Do desafio à oportunidade: o papel do PSA

Pantanal (Foto: André Bittar/Arquivo Pessoal).

Apesar de ser um exemplo de preservação, o Pantanal enfrenta pressões crescentes. A conversão de áreas nativas e os eventos climáticos extremos, como a seca severa e as queimadas, ameaçam o equilíbrio do bioma. As políticas ambientais tradicionais, focadas em comando e controle, não são suficientes. É aqui que os programas de PSA entram em cena, remunerando os produtores pelo serviço ambiental prestado à sociedade e sua contribuição em conservar a biodiversidade, a regulação hídrica e o sequestro de carbono – serviços ecossistêmicos avaliados em impressionantes US$ 100 bilhões.

A pesquisa da UFGD, que conta com o apoio da Coalizão Pontes Pantaneiras e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), tem aplicado um método de experimentos de escolha com pecuaristas do Pantanal de Mato Grosso do Sul para entender sua disposição em aceitar programas de PSA de acordo com seu conhecimento e as realidades das fazendas. Informações sobre o valor do pagamento, o prazo do contrato, os reajustes, os tipos de monitoramento e as medidas de prevenção de incêndios estão sendo aplicadas. Esse tipo de investigação é importante, pois ressalta que os programas de PSA devem estar alinhados com a aceitação do público a ser incentivado, as expectativas dos produtores e os objetivos de conservação do governo e da sociedade. Com essa base de dados em um modelo científico, a implementação e a continuidade de políticas públicas podem se tornar mais assertivas de acordo com as frentes de conservação ambiental.

As fazendas do Pantanal como ativos ambientais

Pantanal e pantaneiro, perfeita interação (Foto: André Bittar/Arquivo Pessoal).

Além de ser um celeiro na produção de bezerros, as propriedades rurais no Pantanal possuem um valor financeiro que vai muito além das pastagens. Com 9,9 milhões de hectares de vegetação preservada acima do mínimo legal, essas fazendas podem ser vistas como detentoras de um vasto “ativo ambiental”. Este ativo é o alicerce para a criação de um novo modelo de negócio: remunerar pelo serviço ambiental prestado com a adicionalidade do excedente de vegetação nativa das fazendas, com ecossistemas saudáveis que oferecem serviços valiosos para a sociedade.

A pesquisa da UFGD demonstra que a disposição dos pecuaristas em aceitar os PSA transforma a conservação em um componente financeiro do negócio. O excedente de vegetação nativa se torna um capital que gera renda, seja por meio de programas governamentais, como o Fundo Clima Pantanal.

Esse novo modelo de negócio posiciona as fazendas pantaneiras como peças-chave na luta contra as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade. Elas não são apenas produtoras de alimentos, mas também de bens e serviços ambientais. Ao reconhecer o valor financeiro do excedente de vegetação nativa, a sociedade incentiva a preservação e garante que o Pantanal continue a ser um patrimônio natural e econômico para as futuras gerações.

A ponte pantaneira entre ciência e política pública

Nos dias atuais, essa ponte pantaneira entre pesquisas com ciência aplicada e políticas públicas já está em andamento. A Lei do Pantanal e o subsequente Fundo Clima Pantanal, com seus programas “PSA Conservação” e “PSA Brigadas”, mostram que o governo de Mato Grosso do Sul está comprometido em transformar essa ideia em política. O fato de o governo destinar R$ 30 milhões para a conservação e R$ 7 milhões para o combate a incêndios já em 2025 é um sinal claro de que as medidas de prevenção são alternativas para a conservação.

O estudo dos pesquisadores da UFGD/PPG Agronegócio, ao fornecer uma avaliação sobre a disposição em aceitar dos pecuaristas, pode servir como um apoio para os programas de PSA. Ele caracteriza que a pecuária e a conservação podem ser parceiras estratégicas, onde o produtor rural não é visto apenas como um prestador de serviço ambiental, mas como um parceiro importante a ser remunerado por sua contribuição. A iniciativa do Pantanal pode, e deve, se tornar um modelo global de como a economia comportamental e a conservação podem estar juntas.

* Heitor Liebana Verjas
Mestrando em Gestão do Agronegócio e Sustentabilidade
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
Área de Especialização: Comportamento e Tomada de Decisão de Produtores Rurais
Consultor de Projetos de Pecuária – Coalizão Pontes Pantaneiras
E-mail: heitor.verjas362@academico.ufgd.edu.br

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